Vindo de três filmes de postura pouco comercial (“Elefante”, “The Last Days” e “Paranoid Park”), o cineasta Gus Van Sant pode fazer o espectador mais desavisado pensar que “Milk” é a sua volta para um cinema mais acessível. A verdade é que realmente “Milk” apresenta alguns elementos mais digeríveis para o grande público, principalmente pela trilha sonora sentimental e um roteiro permeado de discursos politicamente corretos, mas o seu resultado final preserva muito do forte tom autoral típico de boa parte da cinematografia de Van Sant. O diretor casa magistralmente a recriação dramática da trajetória de Harvey Milk com imagens de arquivo da época (anos 70, essencialmente), fundindo esses planos narrativos de forma tão coesa que chega a um ponto que é até difícil em algumas seqüências distinguir os mesmos. A recriação da atmosfera da época também é primorosa, tanto pelo trabalho de direção de arte quanto pelo conteúdo da trama, não havendo concessões ou maniqueísmos para refletir o forte espírito hedonista e libertário da San Francisco setentista. Também nesse sentido de evitar simplificações ingênuas, é muito bem trabalhada a caracterização dos fatos e personagens, com Van Sant evitando polarizar a trama em mocinhos (gays) e bandidos (homofóbicos). O que se tem muito presente no roteiro é uma história que envolve questões mais complexas como jogos políticos, ressentimentos e relacionamentos mal resolvidos. Contribuiu consideravelmente para o sucesso dessa narrativa bem estruturada o trabalho do elenco de atores, principalmente por parte de Sean Penn, que tira o protagonista da simples vitimização ao dar para o mesmo uma interpretação cheia de nuances dramáticas, e também de John Brolin que faz do homicida Dan White um pobre coitado patético e ao mesmo tempo assustador.
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