quarta-feira, fevereiro 24, 2016

O raio verde, de Eric Rohmer ****

Em grande parte de sua extensa filmografia, o diretor francês Eric Rohmer conseguiu manter uma rigorosa linha autoral. Assim, para aqueles que acompanharam sua trajetória artística, seu estilo particular é perceptível logo nos primeiros minutos de seus filmes. “O raio verde” (1986) é uma demonstração contundente dessa característica abordagem artística. Rohmer despe sua narrativa de tudo que é supérfluo ou mesmo apelativo, concentrando-se num tratamento formal objetivo e sutil, além de uma atmosfera de aparente distanciamento emocional. A caracterização de personagens e situações é marcada por uma crueza por vezes perturbadora, sendo que o desenvolvimento da trama não privilegia fáceis soluções conciliatórias ou acessíveis. O roteiro se concentra num dilema simples: os percalços sentimentais da protagonista Delphine (Maria Rivière) durante as suas férias. Dispensada pelo namorado logo no início do filme, ela procura um lugar para descansar ou se distrair, mas não consegue se fixar em local algum, tanto por solidão quanto por simplesmente não suportar a companhia de algumas pessoas. Se num primeiro momento, Delphine se mostra desagradável e levemente neurótica, aos poucos a narrativa vai revelando de forma discreta um ambiente opressor para a personagem, em que existe sempre alguma cobrança para ela: de ser agradável, atraente, divertida ou bem-sucedida. Rohmer conseguiu extrair um desempenho antológico de Rivière, em que ela tanto irrita pela sua imaturidade e insegurança quanto desperta compaixão na sua incapacidade de sentir à vontade em qualquer lugar. O final feliz para Delphine pode parecer uma concessão existencial de Rohmer, mas na verdade revela muito mais uma postura de desafio perante as pressões da sociedade que a personagem sofre, mostrando notável coerência com o caráter fortemente humanista de “O raio verde”.

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