Uma obra como “Filme demência” (1986) não é uma avis rara
apenas dentro do panorama do cinema nacional. Mesmo em âmbito mundial, tal
produção dirigida por Carlos Reichenbach é algo de difícil definição. Isso ocorre
porque o cineasta trafega em uma área artística limítrofe, em que o popular e o
erudito não apenas convivem no mesmo plano, como até acabam se fundindo em um
híbrido instigante. A narrativa envereda várias vezes pelo delirante, mas sem
abdicar de uma fluência clara nos seus propósitos estéticos e temáticos. O protagonista
perambula pela noite paulistana (caracterizada por Reichenbach como se fosse um
universo paralelo), encontra tipos esquisitos e marginais, inclusive o próprio
demônio, e por fim se aventura na estrada (configurando um torto road movie). A
simbologia de tal trama (com inspiração no “Fausto” de Goethe) não descamba
para o hermetismo fácil, tanto que toques de um humor tipicamente popular
pontuam com freqüência o roteiro (além de personalíssimas referências
culturais). E é no meio desses elementos tão diversos que Reichenbach compõe
cenas de uma riqueza visual impressionante, aliado a um formalismo que
estabelece relação intrínseca entre uma linguagem naturalista e a ambiência
fantástica.
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