O fluxo narrativo de “Vício inerente” (2014) obedece a uma lógica
particular – é como se o espectador visse tudo o que está ocorrendo em cena
pela perspectiva chapada de maconha do protagonista Larry “Doc” (Joachim
Phoenix em mais um desempenho sensacional). Não significa necessariamente,
entretanto, que se trata de um olhar delirante. É mais como se o formalismo do
filme se guiasse pela percepção alterada do personagem. Diante de tal concepção
estética, mesmo o fato da produção se originar de uma obra literária ganha uma
dimensão diferenciada. A narração over de uma das personagens, por exemplo,
poderia soar como um artifício redundante e previsível, mas dentro do universo
audiovisual criado pelo diretor Paul Thomas Anderson acaba adquirindo uma
perspectiva insólita e brilhante, fazendo com que a narrativa ganhe um sarcástico
tom fabular. Outros truques formais e temáticos do cineasta têm grau de eficiência
e criatividade semelhantes: a caracterização de situações e personagens por
vezes corresponde a um ideário típico de um imaginário “hipponga”, os temas
incidentais e as canções que compõem a trilha sonora se inserem como se
estivessem numa rádio que oscila de volume e frequência, as resoluções da trama
e a própria encenação se sucedem numa ambientação de casualidade e de forma
anticlimática, as atuações do elenco variam entre a sutileza dramática e tom
grotesco. Apesar de inicialmente o roteiro se filiar ao gênero
policial/suspense, não prevalece uma atmosfera de tensão, mas de irônico
distanciamento emocional. Essa queda por um discreto humor sardônico assim como
a particular estética empregada por Anderson revelam com sutileza a verdadeira
natureza existencial e artística de “Vício inerente”: a de um comentário amargo
sobre o fim de uma utopia e a sua assimilação como mais um produto por uma
sociedade em que o lucro nunca pode cessar.
Um comentário:
É filme doido mas vindo de um diretor autoral não me surpreende e por isso mesmo é genial
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