segunda-feira, maio 04, 2015

Vício inerente, de Paul Thomas Anderson ****


O fluxo narrativo de “Vício inerente” (2014) obedece a uma lógica particular – é como se o espectador visse tudo o que está ocorrendo em cena pela perspectiva chapada de maconha do protagonista Larry “Doc” (Joachim Phoenix em mais um desempenho sensacional). Não significa necessariamente, entretanto, que se trata de um olhar delirante. É mais como se o formalismo do filme se guiasse pela percepção alterada do personagem. Diante de tal concepção estética, mesmo o fato da produção se originar de uma obra literária ganha uma dimensão diferenciada. A narração over de uma das personagens, por exemplo, poderia soar como um artifício redundante e previsível, mas dentro do universo audiovisual criado pelo diretor Paul Thomas Anderson acaba adquirindo uma perspectiva insólita e brilhante, fazendo com que a narrativa ganhe um sarcástico tom fabular. Outros truques formais e temáticos do cineasta têm grau de eficiência e criatividade semelhantes: a caracterização de situações e personagens por vezes corresponde a um ideário típico de um imaginário “hipponga”, os temas incidentais e as canções que compõem a trilha sonora se inserem como se estivessem numa rádio que oscila de volume e frequência, as resoluções da trama e a própria encenação se sucedem numa ambientação de casualidade e de forma anticlimática, as atuações do elenco variam entre a sutileza dramática e tom grotesco. Apesar de inicialmente o roteiro se filiar ao gênero policial/suspense, não prevalece uma atmosfera de tensão, mas de irônico distanciamento emocional. Essa queda por um discreto humor sardônico assim como a particular estética empregada por Anderson revelam com sutileza a verdadeira natureza existencial e artística de “Vício inerente”: a de um comentário amargo sobre o fim de uma utopia e a sua assimilação como mais um produto por uma sociedade em que o lucro nunca pode cessar.

Um comentário:

Marcelo Castro Moraes disse...

É filme doido mas vindo de um diretor autoral não me surpreende e por isso mesmo é genial