Não há como ver e analisar a produção franco-belga Dois
dias, uma noite (2014) sem
a contextualizar com a realidade atual da Europa: a crise econômica, o
desemprego, o culto ao individualismo, o crescente aumento de depressivos na
população. Mas o filme dos irmãos Dardenne não se limita a fazer um simples e
didático comentário sociológico sobre tal panorama. Os diretores constroem um
filme atemporal que se configura como um preciso e emocionante conto moral
pontuado por surpreendente toque otimista (em sintonia imediata com o trabalho
anterior deles, O garoto da bicicleta). A concepção formal é a mesma de boa
parte de sua filmografia: um registro áspero e naturalista, que atualiza de
forma bastante particular alguns dos principais preceitos neo-realistas. Tal
estética é o complemento exato para uma trama cujo subtexto é repleto de
contundente humanismo. A odisséia da protagonista Sandra (Marion Cottilard) na
sua busca por manter o emprego aos poucos e de forma sutil vai ganhando
conotação simbólica cada vez mais forte: ao mesmo tempo em que ela se expõe a
indiferença, egoísmo e até mesmo violência física, acaba também despertando em
algumas pessoas sentimentos esquecidos ou reprimidos (solidariedade, esperança,
generosidade). Ou seja, mais do que expor a hipocrisia e mesquinhez da
sociedade, a personagem mostra que ainda há espaço para a sensibilidade nos
indivíduos em meio a tempos tão conturbados. Se para alguns tal discurso pode
parecer ingênuo, é de se convir, entretanto, que tal visão dos Dardenne em Dois dias, uma noite tem
um caráter desafiador perante uma conjuntura tão complexa quanto a da Europa
nos dias presentes.
Um comentário:
Um dos melhores filmes desse inicio de ano. Visitem o meu blog de cinema: http://cinemacemanosluz.blogspot.com.br
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