quinta-feira, março 03, 2016

Cinco graças, de Deniz Gamze Ergüven ***1/2

Seria muito fácil enquadrar “Cinco graças” (2015) naquele escaninho de obras a retratar o difícil cotidiano das mulheres em países dominados pelo fundamentalismo religioso islâmico. Tal vertente praticamente se tornou um gênero em si nos últimos anos, e em boa parte dessas produções o valor político e social é bem mais preponderante do que o valor artístico delas. Ocorre que a obra da diretora Deniz Gamze Ergüven tem uma abrangência bem mais ampla do que esse reducionismo. Para começar, trata-se de um filme de admirável acabamento estético e narrativo. Os planos iniciais logo de cara já mostram que se trata de um trabalho diferenciado – é uma encenação sedutora, enfatizando muito o aspecto sensorial, principalmente na questão com que lida com a sensibilidade feminina diante de uma situação de repressão moral. Nesse sentido, a sequência em que as cinco irmãs tomam banho no mar e brincam com alguns garotos é antológica na sua fluência e carga simbólica imagética, em que nenhum momento se nega a sensualidade inerente delas em nome de uma “inocência” maniqueísta. Pelo contrário: é uma visão bastante desafiadora ao enfatizar o direito de exercer a sua sexualidade da maneira como bem entender. Talvez o aspecto mais fascinante da abordagem de Ergüven é justamente como ela faz conciliar com naturalidade e de maneira intrínseca essa visão conceitual de mundo com um formalismo sofisticado repleto de nuances estéticas (ainda que por vezes o roteiro tenha algumas concessões previsíveis), fazendo com que “Cinco graças” tenha um alcance universal muito maior que a simples crítica ao fundamentalismo islâmico. Na verdade, é um contundente libelo pela liberdade comportamental diante de qualquer ortodoxia religiosa, independente de ser de matiz oriental ou ocidental.

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