quarta-feira, março 30, 2016

Dois disparos, de Martin Rejtman ***1/2

Logo no começo de “Dois disparos” (2014), o jovem Mariano (Rafael Federman) encontra um revólver por acaso ao remexer ferramentas na garagem de sua e como se fosse por mera curiosidade atira duas vezes em si. Sem maiores explicações, sobrevive. A partir dessa premissa, o esperado seria um denso drama a investigar as misérias existenciais do garoto e daqueles que o cercam que o levaram a praticar o ato tresloucado. Só que no universo do diretor argentino Martin Rejtman o direcionamento narrativo e temático parece obedecer a uma lógica bizarra e particular. O evento da tentativa de suicídio de Mariano desencadeia uma sucessão de fatos aleatórios, quase desconexos, em que o foco da trama a todo momento se desvia para caminhos estranhos e por vezes encharcados de um humor esquizoide. As regras tradicionais de um roteiro “arredondado” a todo momentos são subvertidas em nome de soluções criativas desconcertantes. Além disso, Rejtman cria uma constante atmosfera de distanciamento emocional perturbador, em que os personagens demonstram em diálogos, expressões e gestos uma apatia irônica em suas interações sociais. Nessa conjunção de insólitos maneirismos estéticos e narrativos resulta uma obra marcada por um extraordinário teor surrealista e também uma corrosiva e sutil crítica aos costumes pequeno burgueses, algo entre o ascetismo formal de Bresson e o onirismo sarcástico de Buñuel.

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