quinta-feira, março 10, 2016

Tangerine, de Sean Baker ***

Alguns aspectos insólitos da concepção de “Tangerine” (2015) têm feito com que essa produção norte-americana dirigida por Sean Baker seja mais encarada como uma curiosidade do que uma obra efetivamente instigante. Comenta-se bastante o fato de ser protagonizado por dois travestis, fala-se também da questão de ter sido filmada com aparelhos iPhones. Ocorre, entretanto, que o filme acaba transcendendo o status de mera excentricidade por méritos artísticos bem contundentes. As escolhas formais e temáticas acima mencionadas não se revelam gratuitas e se integram com naturalidade dentro de uma proposta muito bem definida por parte de Baker. As tomadas gravadas por celulares podem por vezes dar um caráter rústico para a produção, mas aos poucos o olhar do espectador vai se acostumando com essa plasticidade crua e que dá à narrativa uma atmosfera que alterna com sensibilidade entre o sórdido e o encantamento. A forma com que tal direção de fotografia “suja” e compacta se casa com uma trilha sonora de temas dançantes e eletrônicos frenéticos oferece uma ambientação perturbadora e cativante, dando uma cara genuína e crível para a encenação vigorosa tramada por Baker. Nesse sentido, o desempenho dos travestis Kitana Kiki Rodriguez e Mya Taylor nos papéis principais são marcantes nas variações entre o histrionismo e a sutileza dramática e complementam com notável coerência a própria formatação estética e existencial de “Tangerine”, algo como uma tradicional comédia de erros recriada sob uma ótica pós-moderna a refletir um fascinante mundo em desiquilíbrio.

Nenhum comentário: