sexta-feira, abril 01, 2016

Joe Strummer: O futuro está para ser escrito, de Julien Temple ***1/2

Numa entrevista recente para a televisão, o violonista Yamandu Costa disse algo bem interessante – a de que quando as pessoas supostamente conversavam sobre música com ele, na realidade elas falavam de tudo (fama, dinheiro e afins), menos sobre a música em si. O documentário “Joe Strummer: O futuro está para ser escrito” (2008) tem uma relação forte com esse pensamento de Yamandu. O filme tem como temática a trajetória artística e pessoal do líder da mitológica banda punk The Clash, mostrando os seus anos de formação antes do surgimento da banda, o período de criatividade intensa e grande sucesso comercial de quando o Clash estava na ativa, o longo hiato no ostracismo de Strummer após a dissolução do grupo, a retomada vigorosa da carreira solo e a morte repentina. O documentário não se limita a uma mera amostragem cronológica dos fatos – o diretor Julien Temple tem a bela sacada narrativa de deixar evidente boa parte do lado subjetivo, ideológico e criativo de Strummer, mostrando os dilemas e contradições que moviam a sua inspiração como músico e compositor, além de contextualizar com sensibilidade todo a rica ambientação cultural e social que o envolvia. Muito mais do que resumir a carreira de Strummer a um critério mercadológico e reducionista do quanto ele teve sucesso comercial ou não, Temple oferece um amplo e fascinante panorama do amadurecimento existencial tanto do artista quanto do ser humano, em que fica evidente de maneira pungente o jovem em busca de conhecimento e de uma linguagem artística própria, o indivíduo de ideias políticas radicais e emocionalmente imaturo que se enredeia nas armadilhas do showbusiness, o homem que longe dos holofotes adquire serenidade e sabedoria e o veterano músico que sintetiza suas influências e visões pessoais numa arte atemporal. A formatação criada pelo cineasta tem uma notável sintonia com o particular estilo cultivado por Strummer ao longo dos anos, abusando de colagens e outros truques de edição que dão a impressão de um fervilhante caleidoscópio de imagens e ideiais, intercalando ainda com recursos tradicionais no gênero (entrevistas e imagens de arquivo) e uma espécie de encenação em que amigos e admiradores de Strummer conversam ao redor de uma fogueira. Esse conjunto estético dá à produção uma atmosfera rústica e espontânea, como uma boa e velha canção do Clash.

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