quarta-feira, abril 27, 2016

Onde o mar descansa, de Fernanda Lippi e André Semenza ***1/2

Num primeiro momento, a equação artística de “Onde o mar descansa” (2015) pode parecer um pastiche que chama atenção apenas pelo insólito de sua combinação – as atmosferas fantasmagóricas das produções europeias de horror dos anos 60 e 70, a ambientação entre o onírico e o metafísico de Andrei Tarkovsky, o fluxo narrativo poético de Derek Jarman, a encenação repleta de coreografias de danças que remetem a algumas obras memoráveis de Carlos Saura. Com o desenvolver da narrativa, entretanto, essa junção de influências diversas vai dando uma liga surpreendente que faz com que o filme transcenda a simples curiosidade. O lirismo poético da narração, a intensidade dos bailados dramáticos das personagens, a direção de fotografia de tons esmaecidos e tenebrosos, a expressiva síntese entre melodias melancólicas e dissonâncias de trilha sonora e a edição sóbria colaboram na configuração de um singular conto gótico sobre o amor e a perda. O formalismo concebido pelos diretores André Semenza e Fernanda Lippi acaba por criar uma espécie de universo paralelo, onde até mesmo as regras morais pequeno burguesas cristãs se desvanecem sem a menor cerimônia (nesse sentido, não há como não fazer uma conexão com o recente e extraordinário “A bruxa”). As belas e lúgubres paisagens de florestas e rios congelados, que parecem se formatar como personagens dentro da trama, são incorporadas com naturalidade e coerência dentro dessa singular proposta artístico-existencial. Dentro dessa trinca de “cinema-dança-poesia”, fica o registro memorável de uma obra de impacto sensorial desconcertante.

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