quinta-feira, maio 20, 2010

Vencer, de Marco Bellocchio ****


Por mais que possam ser atraentes por questões temáticas, filmes biográficos também representam uma forma de armadilha estética. Em boa parte das oportunidades em que eles são realizados, há uma preocupação muito mais em “contar a história” do biografado do que apresentar maiores ousadias formais, ao mesmo tempo em que a narração da história de vida do personagem histórico em questão, pela necessidade de compactar a mesma em algumas poucas horas de filme, acaba resumida em uma versão superficial de fatos e caracterizações caricatas. Marco Bellocchio consegue evitar todas essas limitações de forma extraordinária em “Vencer” (2009), produção que coloca em evidência uma personagem pouco comentada da história contemporânea, Ida Dalser, amante do lider fascista italiana Benito Mussolini. A intenção do filme não é contar detalhes íntimos dos indivíduos ou mostrar com detalhes todos os passos das trajetórias dos mesmos. Pelos olhos de Ida, o que vemos é um ser humano comum, mesmo que cheio de ideais e projetos, convertendo-se em um mito vivo, ainda que polêmico e repleto de contradições. Nesse processo, o peso social e político dessa discutível lenda, representante dos anseios de um povo, reprime e esmaga impiedosamente as aspirações individuais que não estejam de acordo com o grande projeto estatal – no caso em questão, o desejo de Ida em ser reconhecida como companheira de Mussolini assim como de que o filho dessa relação adúltera ganhe a sua legitimidade. Por mais que os interesses de Ida possam parecer mesquinhos em determinados momentos (e eles realmente são), Bellocchio faz da relação Mussolini-Ida a metáfora perfeita do conflito entre Estado autoritário e o indivíduo.

Para ilustrar sua ambiciosa narrativa, Bellocchio opta por um estilo de filmar bastante estilizado, beirando o barroco. A visão que temos dos fatos é contaminada pelo subjetivismo do olhar de Ida. Mussolini sempre irrompe na tela como uma esmagadora força da natureza e a teia conspiratória que visa expurgar Ida e outras máculas da vida do líder italiano atinge proporções kafkanianas ao se abater sobre a protagonista. O clima de paranóia é ainda mais acentuado por cenários que oscilam entre o sombrio e o asséptico. De se ressaltar também as seqüências em que trechos de documentários se entrelaçam com as próprias cenas dramatizadas, obtendo um efeito plástico perturbador, com destaque para o momento em que dois grupos políticos rivais se digladiam durante uma sessão de um documentário – a imagem das silhuetas dos contendores se mistura com os registros em preto-e-branco do filme que estava sendo visto. A atuação de Giovanna Mezzogiorno também é um capítulo a parte em “Vencer” – a atriz apresenta uma interpretação de várias nuances, não deixando Ida cair em clichês simplórios como de pura e injustiçada vítima. Por mais que ela seja massacrada pela máquina estatal de Mussolini, não deixamos de reconhecer no seu comportamento um elemento de desejo de ascensão social;

É provável que o destino das cinebiografias não mude de seu marasmo com “Vencer”. Mesmo assim, essa expressiva produção de Bellocchio aponta caminhos bastante promissores e instigantes para o gênero.

6 comentários:

Davi disse...

Pirado pra ver este filme.

André Kleinert disse...

E eu estou pirado para ver o "Kick Ass"!! A merda é que ainda não li o gibi.

Davi OP disse...

Já li o gibi e não é das melhores coisas do Mark Millar. Já "Ultimate Avengers" é MUITO foda. Também quero muito ver "Kick-Ass" e agora vem o medo, pois a percepção de fracasso nos EUA parece ter resultado em cancelamento de cinema no Brasil. Vai direto pra DVD/Blue-Ray. Por sinal, tem acompanhado os lançamentos da Lume Filmes?

André Kleinert disse...

Pelo que eu sei, o Kick-Ass está previsto para estrear por aqui em 11 de junho. Vi até umas promoções no Omelete sobre o filme.
Estou curioso para ler o "Ultimate Avengers", apesar de eu ainda estar traumatizado com o volume 3 dos Supremos (sei que não foi o Millar que escreveu, mas mesmo assim não deixou de ser algo chocante).
Não foi a Lume que lançou "O Espírito da Colméia" e "Corações Loucos" (dois dos meus filmes favoritos de todos os tempos)? O que mais de bom eles lançaram?

Davi OP disse...

O volume 3 de "Supremos" é provavelmente a pior revista em quadrinhos que já li em minha vida. Mal desenhada, confusa, sem respeito nenhum por continuidade e mesmo lógica interna. O flashback do Wolverine comendo a Magda deve estar em qualquer lista de piores momentos das HQs.

A Lume lançou estes dois, sim. Lançaram "O Fundo do Coração", "A Conversação", "Diabel", "Clamor do Sexo", "Os Irmãos da Família Toda", "Pai e Filha", "Contos da Lua Vaga", "O Intendente Sansho", etc, e estão para lançar "Pat Garret e Billy the Kid" e "Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia", entre diversos outros.

Davi OP disse...

Ah, e se depender da Versátil, logo vamos ter a obra completa do Bergman, no Brasil. Eles lançaram os 4 primeiros longas dele e estão para lançar mais.