segunda-feira, dezembro 10, 2012

Fausto,de Alexander Sokurov ****



O que há em “Fausto” (2011) não é somente mais uma relação entre cinema e literatura. O que o diretor russo Alexander Sokurov propõe é mais ambicioso. Além de recriar o livro de Goethe, o cineasta disseca a própria lenda que deu origem à obra literária e a transmuta para a sua visão particular. O texto do filme, de tom poético e anti-naturalista, recebe um tratamento formal que rompe com o linear e a narrativa convencional. Tudo soa intrincado, enigmático e repleto de um subtexto de caráter simbólico. Assim, ocorre uma união em perfeita sintonia artística entre a poesia de Goethe e a insólita e particular estética de Sokurov. As angústias existenciais e questionamentos metafísicos do personagem-título são envolvidos numa atmosfera que parte do realismo e envereda pelos caminhos do delírio e do onírico. A reconstituição da época medieval recebe uma direção de arte estilizada que não se vincula necessariamente a um ideal “verossímil”, mas a um conceito que delimita aquele período histórico: sordidez, sujeira, obscurantismo, violência. Acentuando esse conceito de uma concepção formal difusa e estranha, a direção de fotografia apresenta ideias e execução fenomenais, indo de planos-sequência estonteante (a começar pelo sensacional vôo da câmera no plano de abertura) até uma iluminação de tons pálidos e esmaecidos que caracterizam uma ambientação de forte conotação fantástica. Coordenando esse formalismo apurado, Sokurov apresenta uma encenação rigorosa e criativa – é notável a forma com que se desenvolve a caracterização das situações e personagens. Nesse último aspecto, figuras como o arredio e amedrontado Fausto (Johannes Zeiler), a angelical Gretchen (Isolda Dychauc) e o insidioso demônio (Anton Adasinskiy, em interpretação genialmente grotesca) ganham uma dimensão antológica pelas mãos de Sokurov e se insinuam no nosso imaginário.

Nenhum comentário: