terça-feira, julho 11, 2017

Quem é Primavera das Neves, de Jorge Furtado e Ana Luíza Azevedo **1/2

Há uma base conceitual engenhosa e contundente que paira sobre a concepção e narrativa do documentário “Quem é Primavera das Neves” (2017). O roteiro parte de uma premissa inicial de forte traço pessoal – o interesse do diretor Jorge Furtado em saber mais sobre quem seria Primavera das Neves, uma obscura tradutora e poetisa que trabalhou em edições brasileiras de vários clássicos literários na segunda metade do século XX. Ainda que se vincule, dessa forma, a uma obra de cunho biográfico, a abordagem do roteiro traz em seu subtexto um forte caráter humanista, no sentido que vai expondo de maneira sutil que a formação cultural de sua protagonista, filha de dois anarquistas europeus que se exilaram no Brasil fugindo de regimes autoritários, evidencia sensibilidade e inteligência diante de um contexto histórico marcado por obscurantismo e brutalidade, em que os aludidos traços da personalidade de Primavera se mostram influentes e encantadores para boa parte das pessoas que conviveram com ela. Dessa forma, o viés existencial do filme dirigido por Furtado e Ana Luíza Azevedo ganha especial ressonância ao se relacionar com o atual e conturbado cenário sócio-político brasileiro e mundial. A complexidade e ousadia da temática de “Quem é Primavera das Neves” não recebe, entretanto, um complemento narrativo e formal à altura. A dupla de cineastas responsável pela produção se contenta com um acabamento convencional e de pouco impacto sensorial, opção artística essa que fica clara numa edição apenas correta, nas melodias banais da trilha sonora, na afetação das sequências de declamação com a atriz Mariana Lima e no excesso de depoimentos um tanto redundantes. Faltou para o documentário uma pegada estética mais sanguínea e criativa, coisa que Furtado já mostrou ser capaz de fazer no inquietante “O mercado de notícias” (2014).

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