segunda-feira, novembro 23, 2009

The Bootleg Series, Vol. 4: The "The Royal Albert Hall" Concert - Bob Dylan & The Band


Em um dos meus primeiros textos que escrevi para o site Insólita Máquina, aquele em que eu falava sobre os “bootlegs” do Neil Young, eu já havia feito alguns breves comentários sobre esse álbum duplo ao vivo. Na realidade, muito já se escreveu sobre o mesmo e toda a importância histórica e mítica que tal apresentação de Dylan acompanhado do The Band (na época, ainda chamados de The Hawks) carrega. O “problema” é que cada vez que a gente ouve essa maravilha parece que um novo detalhe surge, uma nova perspectiva se abre. Apesar de ser muito lembrado pelo célebre grito de “Judas” dirigido ao bardo norte-americano por um medíocre qualquer da platéia, o que faz The Bootleg Series, Vol. 4: ‘The Royal Albert Hall’ Concert (1998) ser simplesmente o melhor registro oficial de uma apresentação de Bob Dylan é a música cheia de paixão e fúria que troveja das caixas de som.

O show em questão foi emblemático tanto pela música quanto pelas circunstâncias históricas nas quais Dylan estava envolvido na época. O primeiro disco traz a metade inicial da apresentação, sendo um retrato perfeito do artista que a maioria dos fãs puristas queria ver no palco: o trovador solitário, armado de voz, violão e gaita, desfiando uma série de temas acústicos e clássicos. E Dylan mostra por quê era fácil amar essa sua encarnação de menestrel folk, oferecendo uma interpretação intensa e plena de lirismo para canções que já naquela época estavam intrinsecamente ligadas ao imaginário musical do planeta (jóias como It’s All Over Now, Baby Blue, Just Like a Woman e Mr. Tambourine Man).

Os desavisados que ouvirem o segundo disco poderão levar um susto e se questionarem como é que um dos ditos melhores discos ao vivo de todos os tempos pode ter na sua gravação o registro de tantas vaias vindas da platéia. A explicação não é tão difícil de se entender: na segunda parte da apresentação, sai aquele Dylan acústico e símbolo dos movimentos contestatórios sociais e entra um artista ainda mais inquietante e não disposto a oferecer respostas prontas e claras para o público, mais interessado em dar vazão à sua efervescência criativa do que corresponder às expectativas ideológicas e estéticas ortodoxas de seus (ex?)fãs. Para ele, o conceito de tradição já não faz tanto sentido assim e enfiar a eletricidade no folk e fundi-lo com o rock é o caminho mais que natural. É claro que a resposta da maioria de seus admiradores não poderia ser das melhores... Nessa nova arquitetura sonora, Dylan encontrou na The Band os parceiros mais que adequados. Afinal, “A Banda” era composta por caras que juntavam sem cerimônia várias vertentes do tradicionalismo musical norte-americano (country, blues, jazz, folk) dentro da linguagem rock da época, em que instrumentos acústicos conviviam em singular harmonia com guitarras, órgão e bateria faiscantes. O show em questão é a prova incontestável dessa parceria genial entre Dylan e o The Band. Músicas essenciais do cancioneiro “dylaniano” como I Don’t Believe You e Ballad of a Thin Man são transfiguradas divinamente pelo órgão celestial de Garth Hudson e pela sensibilidade melódica da guitarra de Robbie Robertson. O piano de Richard Manuel pontua magicamente o repertório com intervenções preciosas recheadas de influências de blues e jazz. O detalhismo sônico do The Band encontra no baixista Rick Danko uma espécie de fio condutor que une elementos tão diversos em um conjunto em perfeita sintonia. Diante de uma musicalidade tão cheia de nuances e ao mesmo tempo executada com sensacional crueza, temos um Dylan oferecendo algumas das interpretações mais rascantes da sua carreira. A conclusão de tal performance, e por conseqüência do disco em questão, só poderia desembocar numa versão raivosa, pesada e quase arrastada de Like A Rolling Stone. Ouvir esse verdadeiro pandemônio elétrico entremeado por vaias e apupos intolerantes é uma experiência de proporções quase surreais. Talvez nunca a surrada expressão “jogar pérolas aos porcos” tenha encontrado uma situação tão propícia para ser utilizada...

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