segunda-feira, novembro 30, 2009

Sinédoque, Nova Iorque, de Charlie Kaufman ****


O que geralmente se enfatiza na obra de Charlie Kaufman é o elemento irreal que sempre paira nos seus roteiros. Apesar disso ser inegável, deve-se considerar também que o que realmente o diferencia é a forma como a própria realidade se insere dentro desse aspecto fantástico. Nas tramas de Kaufman, essa realidade irrompe em formas de emoções brutas e desconfortáveis. Isso fica evidente em sentimentos de desilusão amorosa e insatisfação com a mediocridade do cotidiano tão inerentes aos personagens de “Quero Ser John Malkovich” (1999) , “Adaptação” (2002), “Confissões de Uma Mente Perigosa” (2002) e “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” (2004), todas produções roteirizadas por Kaufman. Em “Sinédoque, Nova Iorque” (2008), a obra de estréia de Kaufman como diretor, todas essas emoções cruas afloram em uma escala maior de intensidade, assim como o seu gosto pelos delírios surreais se mostra ainda mais desafiante. Cabe ressaltar que a junção de dois aspectos tão díspares (real e fantástico) na mesma narrativa nunca é gratuita para Kaufman. A obsessão do diretor teatral Caden Cotard (Philip Seymour Hoffman) em traduzir o seu caos pessoal para uma gigantesca peça de teatro que nunca será encenada para o público pode ser esquisita demais (e realmente é), mas é a metáfora visual perfeita a traduzir a angústia existencial do personagem. Não há a preocupação com uma delimitação precisa entre o plano real e aquele que o extrapola: à medida que a narrativa avança, as fronteiras entre esses planos ficam progressivamente difusas, chegando ao ponto em que se fundem, fazendo com que os próprios personagens não saibam se são eles mesmos ou apenas os atores que o interpretam, assim como se os fatos que vivenciam pertencem às suas vidas ou apenas fazem parte da encenação. Cotard perde o controle de vez da sua obra e, por conseqüência, da sua própria existência. Kaufman traduz essa confusão sensorial em imagens arrebatadoras, que trazem no mesmo fotograma intimismo e senso épico impressionantes. Seu debut atrás das câmeras, por fim, revela-se irregular, traumático e inesquecível.

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