Para mim, escrever sobre Nocturne (1983), álbum ao vivo de Siouxsie e seus Banshees gravado no tradicional Royal Albert Hall, acaba implicando em inevitáveis acessos a reminiscências juvenis. Lembro que na minha adolescência por várias vezes escutei na Ipanema FM a faixa de abertura desse disco: uma introdução bombástica com a Sagração da Primavera de Igor Stravinsky que dramaticamente é interrompida pela potente e soturna linha de baixo de Steven Severin e um marcante riff minimalista de guitarra que anunciam a poderosa versão de Israel.
Nocturne marcava uma espécie de fecho do período do auge criativo da banda, representado pela trinca espetacular Kaleidoscope (1980), Juju (1981) e A Kiss In The Dreamhouse (1982). Em tais discos, a banda substituía o punk rock barulhento de The Scream (1978) e Join Hands (1979) por uma inusitada combinação de rock, sonoridades psicodélicas e influências de reggae. Os ritmos quebrados e tribais da bateria de Budgie, os tons lúgubres do baixo de Severin e os timbres peculiares e levemente dissonantes do guitarrista John McGeoch geravam arranjos compactos e dinâmicos, ao mesmo tempo que realçavam as belas melodias sombrias das canções e o canto gélido de Siouxsie. Essa musicalidade fortemente particular da banda acabou se tornando uma das mais características e influentes do período pós-punk.
Em Nocturne, a sutileza e os detalhismos dos arranjos são colocados em segundo plano em prol de um rock mais básico e urgente. Assim, canções como Paradise Place e Cascade ganham uma intensidade impressionante, quase selvagem, enquanto temas clássicos da banda como Happy House e Spellbound apresentam uma atmosfera ainda mais densa que nas versões de estúdio. Apesar de nesse show já não contarem mais com McGeoch, os Banshees encontraram um substituto mais que adequado em Robert Smith (sim, ele mesmo, o eterno líder do Cure). A guitarra do rapaz não apenas reproduz o estilo de McGeoch como também acrescenta um toque mais ríspido, remetendo à própria banda originária de Smith.
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