segunda-feira, fevereiro 14, 2011

Lixo Extraordinário, de Lucy Walker, João Jardim e Karen Harley ***


Em uma certa altura de “Lixo Extraordinário” (2010), um dos catadores focados no documentário conta que uma vez encontrou no meio do lixo um exemplar de “O Príncipe” de Maquiavel e que a leitura de tal livro o influenciou como líder da cooperativa de catadores do qual faz parte. A inclusão desse depoimento pode ter sido meramente aleatória, mas acaba soando como uma certa metáfora da própria realização do filme. Se o artista plástico Vik Muniz, o protagonista de “Lixo Extraordinário”, tem como matéria prima de sua arte objetos e produtos descartados pela sociedade de consumo, no projeto focado no documentário a sua experiência estética se estende para um campo maior – além dos dejetos referidos, ele avança não só para o campo do cinema, mas também na manipulação do destino de um grupo de catadores. Nesse sentido, sua visão é maquiavélica, inserindo as sofridas histórias pessoais de cada um daqueles indivíduos dentro do próprio contexto das pinturas/fotografias que resultam do projeto. Joga ainda com uma série de clichês sentimentais típicos desse tipo de documentário, buscando também a emoção fácil para a sua platéia. Aparentemente, tais intenções artísticas de Muniz podem soar apelativas, mas há um certo sentido irônico e perverso nas concepções do artista, como se ele quisesse expor os mecanismos hipócritas das concepções da sociedade, ditas politicamente corretas, sobre temas como ecologia e miséria. “Lixo Extraordinário”, entretanto, não se resume a um discurso sociológico. As tomadas do aterro do Jardim Camacho, por exemplo, impressionam não só pelo visual chocante de uma infinidade de detritos concentrados num mesmo local e disputados avidamente por um verdadeiro formigueiro humano, mas também pela dimensão épica oferecida pela direção de fotografia. O processo de elaboração dos quadros de Muniz e seus colaboradores é registrado com detalhismo, estabelecendo estreita relação entre o fazer artístico de Muniz e o cinematográfico. Cabe destaque ainda à trilha sonora de Moby, em bela combinação de temas de inspiração roqueira, eletrônica e ambiental.

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