Toda a sequência inicial de “Fruto do paraíso” (1969) é uma
bela síntese do espírito desse filme tcheco – numa alucinante e poética conjunção
de sobreposições e fusões em que predomina a cor vermelha, há uma encenação em
tons delirantes, remetendo ao cinema mudo, que emula a bíblica história da
expulsão de Adão e Eva do paraíso. Pode ser que se implique que todas essas
trucagens podem fazer o filme aparentar algo datado na evocação de uma cultura
psicodélica tipicamente sessentista. A realidade, entretanto, é que tais soluções
visuais extrapolam tais conceitos relativos a cronologia ou anacronismo tecnológico,
pois o que interessa é mais o efeito sensorial do que o grau de “realismo” plástico.
E nesse campo das sensações, o efeito de tais concepções estéticas da diretora
Vera Chytilová na produção em questão fica num limite constante entre o hipnótico
e o encantador.
É evidente que a narrativa de “Fruto do paraíso” não se
vincula a uma linha naturalista. Chytilová abusa de um formalismo estranho e
bastante libertário, em que tudo soa “quebrado” – sons, movimentação (por vezes
a rotação sugere uma animação quadro a quadro, quase como se um stop motion com
seres humanos), diálogos, montagem. Tais escolhas artísticas da cineasta
encontram uma fascinante sintonia existencial com o roteiro que traz uma trama
carregada de simbologias diversas, em que se notam estilhaços de parábola bíblica,
“Alice no país das maravilhas” e tragédia grega (os trechos de narração cantada
fazem pensar numa mistura de clássicos musicais de Hollywood com coros gregos).
Apesar do excesso de referências e citações culturais, há um senso de unidade
na direção de Chytilová que junta todos esses elementos num conjunto intrincado
e perturbador, dando-lhe um caráter intrigante atemporal.
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