terça-feira, maio 06, 2014

Fruto do paraíso, de Vera Chytilová ****

Toda a sequência inicial de “Fruto do paraíso” (1969) é uma bela síntese do espírito desse filme tcheco – numa alucinante e poética conjunção de sobreposições e fusões em que predomina a cor vermelha, há uma encenação em tons delirantes, remetendo ao cinema mudo, que emula a bíblica história da expulsão de Adão e Eva do paraíso. Pode ser que se implique que todas essas trucagens podem fazer o filme aparentar algo datado na evocação de uma cultura psicodélica tipicamente sessentista. A realidade, entretanto, é que tais soluções visuais extrapolam tais conceitos relativos a cronologia ou anacronismo tecnológico, pois o que interessa é mais o efeito sensorial do que o grau de “realismo” plástico. E nesse campo das sensações, o efeito de tais concepções estéticas da diretora Vera Chytilová na produção em questão fica num limite constante entre o hipnótico e o encantador.


É evidente que a narrativa de “Fruto do paraíso” não se vincula a uma linha naturalista. Chytilová abusa de um formalismo estranho e bastante libertário, em que tudo soa “quebrado” – sons, movimentação (por vezes a rotação sugere uma animação quadro a quadro, quase como se um stop motion com seres humanos), diálogos, montagem. Tais escolhas artísticas da cineasta encontram uma fascinante sintonia existencial com o roteiro que traz uma trama carregada de simbologias diversas, em que se notam estilhaços de parábola bíblica, “Alice no país das maravilhas” e tragédia grega (os trechos de narração cantada fazem pensar numa mistura de clássicos musicais de Hollywood com coros gregos). Apesar do excesso de referências e citações culturais, há um senso de unidade na direção de Chytilová que junta todos esses elementos num conjunto intrincado e perturbador, dando-lhe um caráter intrigante atemporal.

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