Longas tomadas fixa e um homem falando sem parar. Por vezes,
alguns planos focando alguns atos rotineiros desse protagonista. Em outros
momentos, a cineasta e o homem, que são pai e filha, discutem sobre o objetivo
da produção em questão, sobre as escolhas criativas da diretora. Numa descrição
como essa, poderia restar uma fatídica dúvida: mas, afinal, isso pode ser
considerado cinema? O documentário “Os dias com ele” (2012) trafega nessa
fronteira tênue entre o pessoal e o universal, em que o subjetivismo da temática
de uma filha tentando descobrir obscuridades e objetivos na vida do pai acaba
ganhando uma dimensão mais ampla ao se saber que esse progenitor já foi
perseguido político no tempo da ditadura militar no Brasil, sendo preso e
torturado, e hoje em dia vive um tanto recluso com a família em Portugal. A
concepção formal espartana da obra e a disposição de pai e filha em se exporem
cruamente geram um filme de encanto estranho – um dos grandes méritos da
diretora Maria Clara Escobar está na capacidade de criar uma atmosfera sóbria e
também de casualidade, em que a naturalidade com que o seu pai faz confissões
ou simplesmente se mostra ranzinza e pequenos atos instintivos ou aleatórios
(como os gatos que eventualmente se metem nos planos, quase como observadores
curiosos) compõem uma estrutura narrativa sólida e que dá a impressão de se
desenrolar num universo à parte, em que a solidão e desencanto daquele homem
refletem também uma importante parte existencial de uma nação que se perdeu
pelos desmandos e brutalidades de um regime ditatorial. O desejo da filha de
saber mais sobre o pai também se converte sutilmente no desejo de uma geração
em tirar das brumas dos passados os segredos obscuros de um país.
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