terça-feira, junho 24, 2014

O lobo atrás da porta, de Fernando Coimbra ****


Num determinado debate, não lembro precisamente a data, tendo como tema crimes bárbaros que recebiam grande atenção da mídia sensacionalista, o jornalista Paulo Francis, diante de uma suposta perplexidade da sociedade perante a brutalidade e gratuidade de tais atos violentos, apenas respondia que todas as respostas para essas indagações já estavam presentes nas tragédias gregas escritas há centenas de anos. Isso me veio à mente quando assisti a “O lobo atrás da porta” (2013). Nessa produção nacional, o diretor Fernando Coimbra pega um caso real do seqüestro e assassinato de uma criança nos subúrbios de Rio de Janeiro e formata a narrativa como se fosse justamente uma espécie de tragédia grega. A trama não se desenvolver numa linha tão linear – há uma alternância freqüente entre presente e passado, mas o ritmo da narrativa é objetivo e nada confuso. Além disso, Coimbra coloca os fatos do roteiro expostos a partir das diferentes percepções do trio de personagens principais – a amante infanticida (Leandra Leal), o marido adúltero (Milhem Cortaz) e a esposa traída e mãe desesperada (Fabíula Nascimento) – fazendo lembrar o clássico “Rashmoon” (1950) de Akira Kurosawa. O fato da história se desenvolver em locais da capital carioca fora do padrão “turístico” torna a atmosfera da obra ainda mais insólita e sufocante. Mas o que faz de “O lobo atrás da porta” uma obra tão desconcertante é a sutil e desafiadora simbologia que Coimbra imprime em cada ato de seus personagens: ao invés de um mero caráter atônito ou distante perante a tragédia que se desenrola de forma inexorável ao longo do filme, o cineasta revela uma visão implacável e arguta sobre o machismo e o preconceito na sociedade patriarcal ocidental, em que a defesa da moral e da honra esconde um universo de sociopatia e opressão.

Um comentário:

Marcelo Castro Moraes disse...

Desde já um dos melhores filmes brasileiros do ano.