O diretor Terry Zwigoff obtém um extraordinário triunfo artístico
no documentário “Crumb” (1994): ao realizar a cinebiografia do quadrinista
Robert Crumb ele não consegue apenas fazer um amplo inventário pessoal do seu
protagonista, mas também um retrato cru e sem concessões das hipocrisias e
disfunções da sociedade norte-americana (e, por conseqüência, da ocidental também)
e do papel da arte como forma de contestação dos padrões vigentes. A produção não
se limita a fazer um panegírico de Crumb, sendo que Zwigoff tanto apresenta
cenas que trazem declarações devotadas e apaixonadas de admiradores dos gibis
do homenageado quanto críticas ferozes de artistas à misoginia e ao
misantropismo que permeia a sua obra. Por outro lado, também faz dos irmãos do
quadrinista figuras tão fascinantes quanto o próprio Robert, levando a uma
constatação perturbadora – que talvez a única coisa que diferencie Crumb de
seus dois irmãos desajustados e perturbados é o fato do primeiro ter conseguido
sucesso artístico e comercial com os seus quadrinhos. Mas mais desconcertante é
ver que o que torna única a arte de Crumb é justamente como ele incorpora suas
obsessões e sua tumultuada biografia familiar como matéria prima nas suas histórias
e desenhos, tendo por resultado algumas das gozações mais contundentes contra o
american way of life.
A estética adotada por Zwigoff para emoldurar essa saga
psico-intimista-social pode parecer simples, mas na verdade é bastante adequada
e sofisticada para a proposta de ironia ácida tanto do cineasta quanto de Crumb
– um registro visual granulado, por vezes emulando um tom de vídeo caseiro
familiar, em que idéias de execução simples e quase desleixada revelam na sua
essência o espírito anárquico de Crumb. A seqüência, por exemplo, em que a câmera
foca e acompanha o autor lendo e explicando uma HQ sua é quase uma aula na
forma em que relaciona e aproxima as técnicas narrativas do cinema e dos “comics”.
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