Se Jogo das
decapitações (2013) abusa de uma
verborragia atordoante, Riocorrente (2013)
prefere se insinuar pelos silêncio de seus personagens. Assim como no filme de
Bianchi, pode-se perceber na obra de Paulo Sacramento que o desconforto, a
violência e a tensão são latentes, mas os principais personagens da trama não
verbalizam suas angústias e revoltas. Preferem descontar suas frustrações e
desconfortos através de sexo, porres, discussões, passeios sem rumo pelas ruas
desoladas de São Paulo, pequenos crimes. Na superfície, os conflitos intimistas
desses indivíduos escondem uma leitura política bastante arguta – o mecânico e
ladrão de carros Carlos (Lee Taylor), o jornalista e historiador Marcelo
(Roberto Audio), a socialite Renata (Simone Iliescu) e o menino de rua Exu
(Vinicius do Anjos) carregam uma conotação simbólica na constituição de suas
figuras, representando diferentes classes sociais, comportamentos e visões de
mundo que convivem aos trancos e barrancos na mesma sociedade. Essa
estruturação da trama baseado nos conflitos existenciais de cada um desses
personagens lembra muito o mote principal do extraordinário romance Contraponto (1923) de Aldous Huxley, em que a exposição das visões ideológicas e
filosóficas dos personagens era o eixo principal do ritmo narrativo da obra.
Essa tendência para a simbologia em Riocorrente
não se limita apenas na caracterização de seus principais personagens,
sendo que Sacramento pontua de forma recorrente no filme seqüências marcadas
por sutis trucagens evocando fogo e catarse, como no momento em que Carlos se
imagina com um coquetel molotov nas mãos ou naquele do onirismo desconcertante
de um Rio Tietê se incendiando.
É curioso observar ainda que tanto O jogo das decapitações quanto Riocorrente
apresentam momentos em que a música adquire uma conotação de redenção em
meio a narrativas marcadas pela temática da turbulência social e existencial.
Na conclusão do filme de Bianchi, há um número musical em que um grupo cultural
voluntário toca e canta uma versão apaixonada da panfletária Eu vivo num tempo de guerra,
emblemático tema de Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri, perante uma plateia de
garotos pobres de olhar desconfiado, enquanto a obra de Sacramento traz o misto
de rock e free jazz da Patife Band e o canto dilacerado do velho mutante
Arnaldo Baptista no seu clássico Te amo,
podes crer servindo como válvula de escape emocional para as tensões
atávicas de alguns personagens. No meio do clima de pessimismo e fúria que
impera nas duas produções, é como se os dois cineastas ainda vissem alguma
possibilidade de esperança na cultura e na sensibilidade, que tanto podem se
manifestar na música como nas suas respectivas obras cinematográficas.
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