Sérgio Bianchi é um cineasta que tem um apreço especial por uma
temática singular – o mal-estar existencial do homem moderno. Seus filmes têm
como conteúdo fundamental a sensação de desconforto do brasileiro classe média
com tudo aquilo que foge dos seus padrões de comportamento e moralidade. Cronicamente inviável (2000) e Os inquilinos (2009) mostram as
contradições, preconceitos e hipocrisias oriundas das diferenças de classes
sociais, enquanto Quanto vale ou é por
quilo? (2005) apresenta uma das visões mais cruas e sarcásticas já
realizadas no cinema nacional sobre o racismo. Vale lembrar, entretanto, que na
cinematografia de Bianchi as dicotomias que se apresentam não implicam
necessariamente numa visão maniqueísta. Pobres, marginais e excluídos não se
limitam a um papel de vítima – eles têm um papel ativo no seu destino. Em O jogo das decapitações (2013), todos
esses conteúdos turbulentos afloram com a virulência habitual do cineasta. Na
realidade, há até uma expansão conceitual no universo provocador de Maldita
coincidência (1979), para ilustrar o legado artístico maldito de Jairo
Mendes. No final das contas, esse confronto entre a obra mais recente e um dos
primeiros trabalhos de Bianchi também serve para traçar a unidade
artístico-existencial da carreira do cineasta e também para a confrontação
brutal entre duas épocas distintas.Bianchi,
que não se furta, inclusive, a questionar e ironizar questões muito caras para
a esquerda como a concessão de indenizações e pensões para perseguidos pela
ditadura militar. Isso não quer dizer, todavia, que Bianchi se apresente como
um recém convertido a novo conservador, reacionário ou qualquer coisa que o
valha. Ele age mais como um cronista distante e amargurado da decadência social
e moral de uma nação. Para isso, ele toma por protagonista Leandro (Fernando
Alves Pinto) um confuso rapaz de classe média, filho de uma ex-guerrilheira e
de Jairo Mendes (Paulo César Pereio), um enigmático artista performático.
Leandro também é estudante pós-graduando em vias de ser “jubilado” e que vive
numa eterna pesquisa acadêmica não muito bem delineada e definida sobre a
ditadura militar. Bianchi dá a impressão que o seu olhar gravita entre a
perspectiva atônita de Leandro diante de uma realidade cada vez mais fraturada pela
violência e intolerância, e a fúria niilista e sarcástica de Rafael (Silvio
Guindane), colega de Leandro que desdenha de ideologias e das ortodoxias
sócio-políticas. Mas mesmo para um personagem como Rafael não há uma clareza –
suas descrenças e pretensa lucidez teriam um caráter libertário ou apenas
seriam motivos para o estímulo de mais preconceitos? A maturidade artística de
Bianchi faz com essa babel de fatos, referências e simbologias sejam filtradas
numa narrativa coesa e contundente. Os principais truques formais do cineasta
recebem um acabamento ainda mais refinado, fazendo com que encenação realista,
toques documentais, diálogos discursivos antinaturalistas e sequências
delirantes convivam em estranha harmonia que ganha um sentido singular no universo
de Bianchi, tanto que ele se permite a se auto-referencia ao usar trechos do
seu primeiro longa-metragem,
Um comentário:
Um filme que faz um belo retrato sobre o nosso país de hoje e ontem.
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