segunda-feira, novembro 24, 2014

Castanha, de Davi Pretto ***1/2


A abertura de “Castanha” (2014) é uma contundente carta de intenções do filme: numa sugestão de pesadelo, uma estranha figura coberta de uma espécie de óleo negro caminha cambaleante por uma estrada ao som de um ensurdecedor e dissonante tema “drone”. O efeito sensorial é desconcertante. Essa mesma sensação de misto de encanto e perturbação permeia toda a metragem da produção dirigida por Davi Pretto. A estrutura da narrativa pode soar insólita nos primeiros momentos, mas aos poucos vai ficando familiar e natural para o espectador – por mais que se evoque alguns trejeitos documentais, o cerne da obra de Pretto é uma encenação bastante fluida e que revela um rigor estético extraordinário. O que na superfície podo soar casual ou aleatório na verdade revela um senso plástico belíssimo, em que a direção de fotografia extrai alguns enquadramentos antológicos em registros variados, indo do apartamento simples do protagonista Castanha, passando pela ambientação sombria e sórdida da boate gay em que ele trabalha e chegando em tomadas melancólicas das ruas de Porto Alegre, quase como se sugerindo que à noite a cidade se convertesse numa localidade de outra dimensão. Pode parecer contrastante que uma temática que foca um olhar seco sobre cotidiano de uma figura solitária e fora dos padrões de “normalidade” ganhe um tratamento formal cheio de nuances de linguagem, mas a força de “Castanha” está justamente no entrechoque inesperado entre o real e o delírio onírico, em que a fronteira desses dois planos existenciais por vezes fica imprecisa de maneira fascinante, fazendo do filme de Preto, ao lado de “Morro do Céu” (2014) e “Argus Montenegro” (2012), uma das melhores coisas que apareceram no cinema gaúcho nos últimos anos.

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