A abertura de “Castanha” (2014) é uma contundente carta de
intenções do filme: numa sugestão de pesadelo, uma estranha figura coberta de
uma espécie de óleo negro caminha cambaleante por uma estrada ao som de um
ensurdecedor e dissonante tema “drone”. O efeito sensorial é desconcertante. Essa
mesma sensação de misto de encanto e perturbação permeia toda a metragem da
produção dirigida por Davi Pretto. A estrutura da narrativa pode soar insólita
nos primeiros momentos, mas aos poucos vai ficando familiar e natural para o
espectador – por mais que se evoque alguns trejeitos documentais, o cerne da
obra de Pretto é uma encenação bastante fluida e que revela um rigor estético
extraordinário. O que na superfície podo soar casual ou aleatório na verdade
revela um senso plástico belíssimo, em que a direção de fotografia extrai
alguns enquadramentos antológicos em registros variados, indo do apartamento
simples do protagonista Castanha, passando pela ambientação sombria e sórdida
da boate gay em que ele trabalha e chegando em tomadas melancólicas das ruas de
Porto Alegre, quase como se sugerindo que à noite a cidade se convertesse numa
localidade de outra dimensão. Pode parecer contrastante que uma temática que
foca um olhar seco sobre cotidiano de uma figura solitária e fora dos padrões
de “normalidade” ganhe um tratamento formal cheio de nuances de linguagem, mas
a força de “Castanha” está justamente no entrechoque inesperado entre o real e
o delírio onírico, em que a fronteira desses dois planos existenciais por vezes
fica imprecisa de maneira fascinante, fazendo do filme de Preto, ao lado de “Morro
do Céu” (2014) e “Argus Montenegro” (2012), uma das melhores coisas que
apareceram no cinema gaúcho nos últimos anos.
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