Em A festa nunca
termina (2002), obra que recriava o auge criativo e comercial da gravadora
inglesa Factory no período do final da década de 70 até a primeira metade dos
anos 90, o diretor Michael Winterbottom acabou fazendo também por tabela um
retrato de uma geração mergulhada tanto em um asfixiante vazio existencial
quanto em puro hedonismo. Já Nove
Canções (2004) se apresentava como uma espécie de espelho comportamental do
começo do novo milênio – ao contar a trajetória de um relacionamento amoroso,
em meio a seqüências de sexo explícito e de apresentações roqueiras em clubes
noturnos, a obra refletia a esterilidade emocional dos “jovens adultos” da
sociedade ocidental. Dentro dessa progressão temática, Winterbottom surpreende
com uma obra de contraponto, Todos os
dias (2012), cuja trama faz uma expressiva celebração da vida familiar.
Cabe ressaltar, entretanto, que esse elogio não se efetiva por caminhos óbvios
ou meramente moralistas. O cineasta parece tomar como principal referência
estética A árvore dos tamancos (1978),
obra-prima do realismo poético de Ermano Olmi que focava o cotidiano de
camponeses italianos ao som da música celestial de Bach. No filme de
Winterbottom, a premissa principal da trama está no dia-a-dia de uma família no
interior da Inglaterra cujo pai se encontra preso. Para enfatizar o naturalismo
de sua abordagem, o diretor filmou ao longo de cinco anos com os mesmos atores
nos principais papeis, sendo que as quatro crianças que fazem parte da família
são realmente irmãos na vida real. Tais opções de encenação de Winterbottom
acabam se revelando fundamentais para a composição dramática do filme.
Num primeiro momento, a secura do registro visual de Todos os dias, beirando o documental,
pode até sugerir um certo distanciamento emocional. Com o desenrolar do
roteiro, entretanto, a produção vai ganhando uma amplitude artística muito
maior. Winterbottom utiliza alguns truques narrativos e estéticos simples, mas
bastante eficientes. As tomadas nas prisões, tanto nas visitas dos familiares
quanto na exposição da rotina sufocante do patriarca Ian (John Simm) no
confinamento, apresentam uma perturbadora atmosfera asséptica e fria. Nas
demais cenas, a abordagem é completamente contrastante, com destaque para os
grandes planos a retratar a região rural onde a família de Ian reside. A
associação das paisagens de campos verdejantes e praias de uma beleza
melancólica, em boa parte das oportunidades permeadas de animais pastando e
crianças brincando, à impressionista música de Michael Nyman cria um efeito
sensorial que emana uma beatitude contundente. E é aí que reside um dos grandes
méritos de Todos os dias, em que a
combinação intrínseca de religiosidade e humanismo de sua história e concepção
estética não descamba para o discurso conservador obtuso e nem para uma
formatação de melodrama “água com açucar” e despersonalizado, mas sim para uma
narrativa de ritmo fluido e que de forma sutil imprime um olhar generoso e
livre de julgamentos morais. A singeleza tocante da seqüência final, com a
família enfim reunida com o pai e caminhando à beira-mar, é a síntese
extraordinária do ideário artístico e existencial que Winterbottom oferece para
a sua obra.
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