quarta-feira, janeiro 07, 2015

Todos os dias, de Michael Winterbottom ****



Em A festa nunca termina (2002), obra que recriava o auge criativo e comercial da gravadora inglesa Factory no período do final da década de 70 até a primeira metade dos anos 90, o diretor Michael Winterbottom acabou fazendo também por tabela um retrato de uma geração mergulhada tanto em um asfixiante vazio existencial quanto em puro hedonismo. Já Nove Canções (2004) se apresentava como uma espécie de espelho comportamental do começo do novo milênio – ao contar a trajetória de um relacionamento amoroso, em meio a seqüências de sexo explícito e de apresentações roqueiras em clubes noturnos, a obra refletia a esterilidade emocional dos “jovens adultos” da sociedade ocidental. Dentro dessa progressão temática, Winterbottom surpreende com uma obra de contraponto, Todos os dias (2012), cuja trama faz uma expressiva celebração da vida familiar. Cabe ressaltar, entretanto, que esse elogio não se efetiva por caminhos óbvios ou meramente moralistas. O cineasta parece tomar como principal referência estética A árvore dos tamancos (1978), obra-prima do realismo poético de Ermano Olmi que focava o cotidiano de camponeses italianos ao som da música celestial de Bach. No filme de Winterbottom, a premissa principal da trama está no dia-a-dia de uma família no interior da Inglaterra cujo pai se encontra preso. Para enfatizar o naturalismo de sua abordagem, o diretor filmou ao longo de cinco anos com os mesmos atores nos principais papeis, sendo que as quatro crianças que fazem parte da família são realmente irmãos na vida real. Tais opções de encenação de Winterbottom acabam se revelando fundamentais para a composição dramática do filme.

Num primeiro momento, a secura do registro visual de Todos os dias, beirando o documental, pode até sugerir um certo distanciamento emocional. Com o desenrolar do roteiro, entretanto, a produção vai ganhando uma amplitude artística muito maior. Winterbottom utiliza alguns truques narrativos e estéticos simples, mas bastante eficientes. As tomadas nas prisões, tanto nas visitas dos familiares quanto na exposição da rotina sufocante do patriarca Ian (John Simm) no confinamento, apresentam uma perturbadora atmosfera asséptica e fria. Nas demais cenas, a abordagem é completamente contrastante, com destaque para os grandes planos a retratar a região rural onde a família de Ian reside. A associação das paisagens de campos verdejantes e praias de uma beleza melancólica, em boa parte das oportunidades permeadas de animais pastando e crianças brincando, à impressionista música de Michael Nyman cria um efeito sensorial que emana uma beatitude contundente. E é aí que reside um dos grandes méritos de Todos os dias, em que a combinação intrínseca de religiosidade e humanismo de sua história e concepção estética não descamba para o discurso conservador obtuso e nem para uma formatação de melodrama “água com açucar” e despersonalizado, mas sim para uma narrativa de ritmo fluido e que de forma sutil imprime um olhar generoso e livre de julgamentos morais. A singeleza tocante da seqüência final, com a família enfim reunida com o pai e caminhando à beira-mar, é a síntese extraordinária do ideário artístico e existencial que Winterbottom oferece para a sua obra.

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