Todo o circo midiático que se formou ao redor de “50 tons de
cinza” (2014) pode fazer supor que o filme em questão, assim como o livro no
qual se baseou, represente alguma ruptura relevante na questão da abordagem
sobre o comportamento sentimental e sexual na relação entre homem e mulher.
Afinal, tanto se fala na questão do apreço pelo sadomasoquismo do protagonista
Christian Grey (Jamie Dornan) marcar uma espécie de autodescoberta sensorial e
existencial da reprimida personagem principal feminina Anastasia Steele (Dakota
Johnson). No final das contas, entretanto, tudo isso não passa de balela hipócrita
de marketing para engabelar ingênuos. Toda a estrutura de roteiro do filme
obedece a uma lógica obscurantista e conservadora no pior sentido da palavra:
por mais que Grey se proclame um indivíduo que gosta de estar no domínio em
qualquer situação (profissional, pessoal, sentimental, sexual), a verdade é que
ele se submete constantemente aos questionamentos da virginal Dakota. Não é ela
que se mostra disposta a aprender com a maior vivência de seu parceiro, mas sim
ele que se coloca em dúvida diante da castidade de sua amada. Quando a trama
sugere uma possível discussão sobre a origem do seu gosto pela perversidade
sexual, propõe-se uma relação com o seu passado de uma mãe biológica viciada em
crack e prostituída. Ou seja, no final das contas Christian é retratado como um
coitado torpe, ainda que bilionário e bem apessoado, cuja salvação reside na
pureza de intenções e na falta de vivência carnal da mulher que ama. O que há
de diferente nessa ladainha repleta de clichês moralistas? Que grande
questionamento se faz aí? A própria concepção formal do filme é reflexo da
orientação carola do roteiro. A diretora Sam Taylor-Johnson transforma sua obra
numa espécie de catálogo de compras tamanho o deslumbramento que manifesta nos
planos retratando helicópteros voando ao som de uma trilha digna de propaganda
de cigarro, carrões em disparadas em estradas verdejantes, gravatas e ternos
sempre alinhados e com suas marcas em evidência. A vacuidade estética de
Johnson torna ainda mais patética a pretensão de que “50 tons de cinza” se
mostre ousado ou coisa que o valha. Do jeito que ficou, está mais para uma obra
que valida os mecanismos de opressão social e individual da sociedade ocidental
contemporânea.
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