quinta-feira, março 19, 2015

Amantes eternos, de Jim Jarmusch ****

É claro que com Jim Jarmusch enveredando para um filme sobre vampiros não dava para esperar exatamente uma tradicional produção de horror daquelas com Bela Lugosi e Christopher Lee. Na realidade, o que se tem é o diretor norte-americano adaptando um clássico gênero para o seu característico estilo de filmar, coisa que ele já tinha feito com o faroeste (Dead Man) ou os thrillers de ação (Ghost Dog). Só que mesmo assim em “Amantes Eternos” (2013) o resultado final é ainda mais surpreendente e fascinante. Jarmusch adapta a mitologia vampiresca de acordo com as suas obsessões estéticas e temáticas. Dessa forma, a carga centenária de conhecimento e experiência dos vampiros Adam (Tom Hiddleston) e Eve (Tilda Swinton) se materializa em referências culturais sofisticadas e uma angústia existencial incomensurável, em que a degustação de sangue em taças e jarras traz uma carga emocional entre a culpa e um prazer sensorial extasiante. Há espaço tanto para discussões filosóficas e existenciais, repletas de citações eruditas, como para relações com a cultura pop das últimas décadas. Nessa leva, um rock antigo de Charlie Feathers pode soar tão misterioso e envolvente quanto algumas passagens literárias de Christopher Marlowe, contemporâneo de Shakespeare e personagem ativo do filme. Essa estranha combinação encontra um complemento audiovisual extraordinário nas concepções formais de “Amantes eternos”. Talvez seja o trabalho de Jarmusch em que ele leva mais longe o seu virtuosismo cinematográfico, revelando uma elaboração esmerada em termos de composições de cena, enquadramentos de tons pictóricos, construção de atmosferas entre o sombrio e o delirante e uma trilha sonora espetacular que mistura levadas letárgicas de rock com toques orientais. Toda essa ambientação estética bem como a sutil lapidação do subtexto do roteiro encontram uma ressonância extraordinária na sequencias finais do filme, em que a resposta para tormentos dos personagens está numa solução atávica e desconcertante: a volta a um primitivismo brutal de buscar o alimento direto na garganta humana.

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