sexta-feira, março 20, 2015

A causa secreta, de Sergio Bianchi ***

As coisas nunca são fáceis com Sergio Bianchi. Mais importante do que conceber uma obra de caráter formal agradável, o que interessa efetivamente para ele é oferecer para o espectador uma experiência de desconforto sensorial, como se ele tentasse traduzir em um filme a sensação de incômodo e inquietação de viver numa sociedade caótica e confusa como a ocidental dos dias de hoje. “A causa secreta” (1994) é uma interessante afirmação das intenções de Bianchi. Baseada num original literário de Machado de Assis, a obra até arrisca nas aparências uma abordagem realista. Com o desenvolvimento da narrativa, o que era para ser naturalista acaba se misturando a uma estranha e abrasiva combinação de elementos de cinema, teatro e literatura. Bianchi se vale do exagero e da ironia ácida para expor sua visão amarga dos conflitos de classe. Apesar de virulência do seu ataque, o cineasta consegue manter a sutileza ao estabelecer um perturbador jogo de simbologias e metáforas nas relações de domínio e opressão numa companhia de teatro no processo criativo de encenação de uma peça, contrapondo violentamente discurso e prática na forma com que os personagens se relacionam. Nem sempre as intenções estéticas e temáticas de Bianchi se configuram de forma plena, pecando por vezes por diálogos e situações muito literais no sentido que querem expressar. Apesar disso, predomina a impressão de que o tom geral de choque e atrito de “A causa secreta” consegue obter aquele impacto memorável para o nosso imaginário.

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