O diretor chileno Patricio Guzmán consegue a proeza artística
em “Nostalgia da Luz” (2010) de oferecer um enfoque singular ao retomar a temática
dos efeitos da ditadura de Pinochet sobre o Chile. Para isso, o cineasta se
vale de um sutil e engenhoso truque narrativo, estabelecendo duas tramas
paralelas que de forma poética e contundente se entrecruzam: o fascínio de
cientistas e astrônomos com as possibilidades únicas de observar o sistema
solar no deserto de Atacama e a busca melancólica de parentes por desaparecidos
políticos que foram enterrados no mesmo deserto. O registro formal do documentário
de Guzmán traça um panorama histórico e existencial perturbador. As condições
climáticas e geográficas de Atacama assim como permitem um estudo esclarecedor
sobre planetas e estrelas também foram usadas com eficiência macabra pelos
militares para execuções e enterro de centenas de opositores de Pinochet. É
interessante também que a produção evidencia como as conseqüências da política
de perseguição e extermínio da ditadura ainda afloram na contemporânea
sociedade chilena (alguns dos astrônomos mostrados no filme, por exemplo, são
filhos de exilados e desaparecidos). Assim, sendo mais do que mera panfletagem
ideológica, a obra de Guzmán se insinua de forma dolorosa no imaginário do
espectador ao estabelecer um memorável jogo de simbologias e paradoxos que
realça com propriedade todo o horror brutal de uma época conturbada e nem tão
distante assim.
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