quarta-feira, março 04, 2015

Nostalgia da luz, de Patricio Guzmán ***


O diretor chileno Patricio Guzmán consegue a proeza artística em “Nostalgia da Luz” (2010) de oferecer um enfoque singular ao retomar a temática dos efeitos da ditadura de Pinochet sobre o Chile. Para isso, o cineasta se vale de um sutil e engenhoso truque narrativo, estabelecendo duas tramas paralelas que de forma poética e contundente se entrecruzam: o fascínio de cientistas e astrônomos com as possibilidades únicas de observar o sistema solar no deserto de Atacama e a busca melancólica de parentes por desaparecidos políticos que foram enterrados no mesmo deserto. O registro formal do documentário de Guzmán traça um panorama histórico e existencial perturbador. As condições climáticas e geográficas de Atacama assim como permitem um estudo esclarecedor sobre planetas e estrelas também foram usadas com eficiência macabra pelos militares para execuções e enterro de centenas de opositores de Pinochet. É interessante também que a produção evidencia como as conseqüências da política de perseguição e extermínio da ditadura ainda afloram na contemporânea sociedade chilena (alguns dos astrônomos mostrados no filme, por exemplo, são filhos de exilados e desaparecidos). Assim, sendo mais do que mera panfletagem ideológica, a obra de Guzmán se insinua de forma dolorosa no imaginário do espectador ao estabelecer um memorável jogo de simbologias e paradoxos que realça com propriedade todo o horror brutal de uma época conturbada e nem tão distante assim.

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