Talvez a grande força de “Branco sai, preto fica” (2014)
esteja muito mais na expressividade do seu conceito do que na sua execução
formal. Trata-se de uma manifesto cultural e político contundente nos elementos
e influências diversos que combina. Em um primeiro momento, o filme do diretor
Adirley Queirós se vincula ao gênero da ficção científica. Só que o cineasta
trata isso muito mais como uma ideia do que uma estética em si – os itens da
direção de arte que remetem ao gênero estão ali apenas como uma representação
que beira o teatral. O espectador tem de comprar essa abstração que não se liga
a uma encenação realista. Nesse sentido, Queirós demonstra uma sintonia
existencial e artística com obras de exceção dentro do cinema brasileiro como “A
idade da terra” (1980) e alguns trabalhos de Rogério Sganzerla, em que uma
certa fuleiragem visual representa uma espécie de declaração de fé cultural
terceiro-mundista. Entretanto, também há dentro do filme uma idéia de
sofisticação no seu discurso e estética, com a narrativa abarcando preceitos do
cinema documental dentro daquilo que era para ser ficcional, além de um
esmerado apuro plástico na direção de fotografia em termos de enquadramentos e
composições cênicas. Dentro de toda essa concepção que revela um pendor para o
cerebralismo também há espaço para um caráter de arte popular que se revela nos
funkeados temas da trilha sonora e nas interpretações cheias de espontaneidade
do elenco. O resultado do cruzamento de todas essas ideias é irregular – a
narrativa se perde por vezes nos devaneios de Queirós, mas em outros momentos cativa pelo seu encanto imagético e pela lúcida ferocidade de seu discurso de
revolta e ironia. Talvez essa alternância de percepções seja a melhor forma
para que “Branco sai, preto fica” expresse com mais intensidade a complexidade
e o incômodo da sua temática: a maneira perversa e hipócrita com que o racismo
está infiltrado na sociedade contemporânea.
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