quinta-feira, julho 21, 2011

Estrada Real da Cachaça, de Pedro Urano ****



Há duas cinebiografias dentro de “Estrada Real da Cachaça” (2008). Uma da própria bebida que está no título no filme, e outra do Brasil. Ou pelo menos de parte de sua história. Mas não se pense que o documentário tenha um fim meramente didático, pois tal narrativa se apresenta muito mais como uma espécie de viagem sensorial pela alma do brasileiro. O diretor Pedro Urano abdica de uma trama detalhada e linear para recriar a trajetória tanto da aguardente quanto do nosso país. São jogados na telas elementos diversos, simulando uma espécie de jogo aleatório, mas que aos poucos compõem um mosaico metafórico e perturbador de alguns dos mais remotos quintões nativos. A Estrada Real alude aos caminhos explorados para a extração e comercialização do ouro na era colonial, marcando o processo de civilização do país. Nos seus calcanhares, vem a difusão da cultura da cachaça e a sua consequente associação à constituição do imaginário coletivo do brasileiro. Para construir essa complexa associação de simbolismos, Urano utiliza depoimentos de populares (às vezes com uma língua portuguesa e pronúncia tão particulares que exige legendas), cantorias tradicionais, longas tomadas contemplativas de pessoas e paisagens, animações envolvendo mapas. A intenção não é tanto fazer o espectador “aprender” com os fatos, mas que o mesmo veja um fragmento de um estado de espírito, de um sentimento um tanto difuso, mas também verdadeiro.

Cabe ressaltar que a abordagem de Urano em “Estrada Real da Cachaça” não é exatamente de exaltação da bebida ou ufanista em relação ao Brasil. Há vários momentos no documentário em que a cachaça possui um caráter festivo e rende comicidade para a obra, mas Urano não se furta de mostrar sequências que evidenciam algo de degradante e melancólico na conseqüência que o vício na bebida pode causar em seus adeptos. Tal contradição se estende na visão dúbia que se oferece do nosso país: tão cheio de vida, mas também tão repleto de exploração e injustiças sociais – nesse ponto, a produção parece estabelecer um possível questionamento: “Não seria a cachaça usada também como um anestesiante para esse povo tão oprimido?”. No final das contas, essa dicotomia de atração e repulsa que permeia “Estrada Real da Cachaça” mais oferece perguntas do que respostas. E isso ainda mais acentua a fascinante aura de mistério que envolve o filme.

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