Se nas obras anteriores “Amarelo manga” (2003) e “Baixio das
bestas” (2007) o diretor Cláudio Assis mostrava uma estética autoral bastante
baseada no sórdido e no escatológico, e nem sempre com resultados satisfatórios,
em sua obra mais recentes, “Febre do rato” (2011), o cineasta aprofunda suas
inquietudes artísticas ao lançar mão de um lirismo à flor da pele, tanto no
texto quanto no seu formalismo. O resultado é sua obra mais consistente até então.
Na concepção de “Febre do rato”, parece rondar duas fortes
influências, ambas provenientes da cinematografia italiana. Primeiro na figura
de Píer Paolo Pasolini, pelo gosto em retratar tipos populares e/ou marginais
através de um registro que beira o barroco tamanho o apuro visual de
enquadramentos e iluminação que remetem a influências pictóricas, quase como se
emulassem quadros vivos. Nesse sentido, o trabalho de direção de fotografia em
preto-e-branco é algo simplesmente fenomenal, principalmente nas filmagens de
cima para baixo. E a outra referência que permeia a produção é a obra-prima “A árvore
dos tamancos” (1978), de Ermano Olmi, pela atmosfera por vezes de beatitude que
Assis elabora ao mostrar o quotidiano dissipado de festas, bebedeiras, discussões
sentimentais/filosóficas/poéticas e orgias de suas criaturas.
E por falar em poesia, poucas vezes tal arte encontrou um
meio de se expressar de forma tão fluida no cinema como em “Febre do rato”. Os
jorros de palavras que saem da pena e da boca do protagonista
Zizo (Irandhir Santos) estão em sintonia existencial com as imagens por vezes
cruas e cruéis por vezes plenas de beleza. De certa forma, a própria trajetória
pessoal de Zizo é a tradução de sua arte e dos jogos contraditórios propostos
pelo roteiro. O personagem clama por anarquia, desafia os costumes e convenções
pequeno-burgueses, mas quase sucumbe à paixão por Eneida (Nanda Costa), musa
brejeira que configura uma espécie do ideal de amor apolíneo e destruidor. A
cena em que Eneida urina na mão do poeta, a seu pedido, é a síntese perfeita
desse jogo entre o grotesco e o romântico estabelecido pelas obsessões de Zizo
e do próprio Cláudio Assis.
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