Tanto no livro como no filme “Uma Viagem Pessoal Pelo Cinema Americano”, Martin Scorsese deixou claro a sua paixão pela filmografia B dos anos 40 a 60 dos Estados Unidos. Para o cineasta, os filmes dessa linhagem representavam a possibilidade e a concretização de ousadias formais e temáticas que eram praticamente inviáveis nas produções mais custosas dos grandes estúdios. “A Ilha do Medo” (2010), filme mais recente de Scorsese, representa uma releitura fascinante desse universo do cinema B. Em termos comparativos, seria como um filme B daquela época ganhasse o orçamento de um filme A.
Tendo como mote central de sua trama uma investigação policial, a verdade é que logo nas tomadas iniciais de “A Ilha do Medo” o que menos importará será saber a “verdade” do que aconteceu ou de quem é o culpado. Os cortes entre as cenas na chegada da barca à Shutter Island bem como no diálogo entre os agentes do FBI Teddy (Leonardo DiCaprio) e Chuck (Mark Ruffalo) são quase desconexos e deixam claro um fato primordial para o filme: o que veremos dali para a diante é o desenrolar da história sob o olhar transtornado de Teddy. Nessa perspectiva, sabe-se que nada é o que parece.
Em “A Ilha do Medo”, a tensão psicológica não vem de uma consistência e verossimilhança de situações e comportamentos, mas sim de um olhar progressivamente distorcido daquilo que poderia ser real. Assim, tudo no filme é exagerado, beirando o barroco. A música incidental, sempre opressiva e sinistra, acompanha até atos prosaicos. Os loucos de um asilo psiquiátrico parecem sempre prontos a pular no pescoço do protagonista. Uma tempestade se configura como se fosse o fim do mundo. Shutter Island não é apenas onde se localiza um hospício, mas sim o próprio inferno de Teddy. Mesmo quando o onírico entra em cena, suas fronteiras com o mundo desperto são muito tênues: realidade, sonhos, lembranças e delírios fundem-se de forma perturbadora.
Para materializar esse mundo de pesadelo, Scorsese lança mão febrilmente de uma gama de truques e técnicas. Como já mencionado anteriormente, a montagem abusa de cortes bruscos que emulam uma mente em ruptura. Há planos-sequência que revelam uma obsessão com o detalhe, como se da atenção constante em todos os elementos de cena dependesse a sobrevivência de Teddy. Os jogos de claro e escuro remetem a uma atmosfera gótica e sufocante – nesse sentido, são magníficas as cenas de Teddy percorrendo as masmorras do hospício tendo como iluminação apenas a luz escassa e breve de fósforos acesos. A caracterização dos personagens também é primorosa ao manter a permanente sensação de dubiedade de “A Ilha do Medo”: os médicos Cawley (Ben Kingsley) e Naehing (Max Von Sydow) tanto podem ser profissionais dedicados como aparentarem serem maquiavélicos gênios do mal, Chuck ostenta um eterno ar ambíguo nas suas intenções e Teddy é o próprio retrato da desintegração psíquica.
Essa riqueza formal que Scorsese põe em prática na sua concepção é que afasta “A Ilha do Medo” a milhões de anos luz da grande maioria das películas de suspense convencionais que dominam o cinema norte-americano na atualidade. Mais do que se limitar a um jogo de adivinhações, Scorsese realiza uma extraordinária viagem estética que recria e homenageia obras fundamentais e obscuras como “Paixões Que Alucinam” (1963) e “A Morte Num Beijo” (1955).
Tendo como mote central de sua trama uma investigação policial, a verdade é que logo nas tomadas iniciais de “A Ilha do Medo” o que menos importará será saber a “verdade” do que aconteceu ou de quem é o culpado. Os cortes entre as cenas na chegada da barca à Shutter Island bem como no diálogo entre os agentes do FBI Teddy (Leonardo DiCaprio) e Chuck (Mark Ruffalo) são quase desconexos e deixam claro um fato primordial para o filme: o que veremos dali para a diante é o desenrolar da história sob o olhar transtornado de Teddy. Nessa perspectiva, sabe-se que nada é o que parece.
Em “A Ilha do Medo”, a tensão psicológica não vem de uma consistência e verossimilhança de situações e comportamentos, mas sim de um olhar progressivamente distorcido daquilo que poderia ser real. Assim, tudo no filme é exagerado, beirando o barroco. A música incidental, sempre opressiva e sinistra, acompanha até atos prosaicos. Os loucos de um asilo psiquiátrico parecem sempre prontos a pular no pescoço do protagonista. Uma tempestade se configura como se fosse o fim do mundo. Shutter Island não é apenas onde se localiza um hospício, mas sim o próprio inferno de Teddy. Mesmo quando o onírico entra em cena, suas fronteiras com o mundo desperto são muito tênues: realidade, sonhos, lembranças e delírios fundem-se de forma perturbadora.
Para materializar esse mundo de pesadelo, Scorsese lança mão febrilmente de uma gama de truques e técnicas. Como já mencionado anteriormente, a montagem abusa de cortes bruscos que emulam uma mente em ruptura. Há planos-sequência que revelam uma obsessão com o detalhe, como se da atenção constante em todos os elementos de cena dependesse a sobrevivência de Teddy. Os jogos de claro e escuro remetem a uma atmosfera gótica e sufocante – nesse sentido, são magníficas as cenas de Teddy percorrendo as masmorras do hospício tendo como iluminação apenas a luz escassa e breve de fósforos acesos. A caracterização dos personagens também é primorosa ao manter a permanente sensação de dubiedade de “A Ilha do Medo”: os médicos Cawley (Ben Kingsley) e Naehing (Max Von Sydow) tanto podem ser profissionais dedicados como aparentarem serem maquiavélicos gênios do mal, Chuck ostenta um eterno ar ambíguo nas suas intenções e Teddy é o próprio retrato da desintegração psíquica.
Essa riqueza formal que Scorsese põe em prática na sua concepção é que afasta “A Ilha do Medo” a milhões de anos luz da grande maioria das películas de suspense convencionais que dominam o cinema norte-americano na atualidade. Mais do que se limitar a um jogo de adivinhações, Scorsese realiza uma extraordinária viagem estética que recria e homenageia obras fundamentais e obscuras como “Paixões Que Alucinam” (1963) e “A Morte Num Beijo” (1955).
Um comentário:
"A Ilha do Medo" não representa o topo criativo da colaboração Scorsese/DiCaprio (esse cabe ao "Os Infiltrados"). Mesmo assim, é um belíssimo filme.
Postar um comentário