sexta-feira, março 19, 2010

Sede de Sangue, de Chan-wook Park ****

Um filme de vampiro pela mão do diretor de “Old Boy” (2003) dificilmente cairia no convencionalismo. O grande barato de “Sede de Sangue” (2009) é justamente a combinação entre elementos tradicionais das obras de vampirismo com as concepções formais e temáticas de Park. Assim, tem-se uma obra recheada de horror e tensão, mas que sempre traz dentro de si uma estranha ironia. Park traz para um primeiro plano aspectos que geralmente são apenas esboçados em outras produções do gênero. Para o protagonista Sang-hyeon, a transformação em vampiro tem um aspecto libertador – antes um padre contido, como uma criatura da noite adquire uma vitalidade impetuosa, ganha até a capacidade de voar e busca avidamente o sexo. Com o tempo, entretanto, o seu hedonismo exige um preço, e a sua sede por sangue revela-se cada vez mais doentia. Park explora com habilidade esse conceito do vampirismo como patologia, chegando a lembrar o terror biológico do clássico “A Mosca” (1986) de David Cronenberg.

Park traz também para “Sede de Sangue” uma visão perturbadora sobre o universo feminino. No filme, o papel das mulheres é de uma força misteriosa, maléfica e desagregadora. O frágil equilíbrio que Sang-hyeon atinge na sua existência como vampiro, sugando sangue por tubos de vítimas em coma, é destroçado quando ele “contamina” a sua amante Tae-joo com a sua maldição. A moça transforma-se em uma sugadora de sangue contumaz, sem nenhum freio moral para escolher as suas vítimas.

A sucessão de desgraças que afligem Sang-hyeon faz de “Sede de Sangue” uma esquisita parábola sobre culpa e redenção, o que faz ainda mais sentido com o fato do protagonista ser um padre. A descoberta de uma vida cheia de prazeres é interrompida com a constatação que tais prazeres provêm da desgraça alheia. A culpa configura-se em tormentos esquisitos e embaraçosos, indo de olhares de desaprovação de uma velha catatônica até as grotescas aparições de um fantasma no meio do ato sexual.

Park embala a sua saga vampiresca e religiosa com uma apurada estética cinematográfica. A direção de fotografia tem um estilo limpo, quase asséptico, acentuando ainda mais a violência sangrenta que constantemente salta na tela. As seqüências de ação são um primor em termos de execução, com um brilhante trabalho de trucagens. As cenas com os amantes vampiros voando entre os prédios, por exemplo, têm um apelo visual extraordinário.

Um comentário:

Unknown disse...

Um filme de vampiro pela mão do diretor de “Old Boy” (2003) dificilmente cairia no convencionalismo.

Disse tudo! Gosto muito dos trabalhos do Park, sempre alfinetando a parte moral da sociedade. Estou ansioso para ver este.

Abraços!!