Na obra de Jean-Luc Godard, na grande maioria das oportunidades, o personagem e a temática principais é o próprio cinema, assim como a definição do gênero é complicada – a melhor classificação parece ser de que o hipotético filme seria “godardiano”. Dentro desse contexto, “O Desprezo” (1963) quase chega a ser a uma exceção. Godard esboça um flerte com o drama intimista, colocando como foco mais ostensivo a dissolução progressiva do casamento do roteirista Paul (Michel Picolli) e sua esposa Camille (Brigitte Bardot). Algumas seqüências que mostram os diálogos entre o casal representam, talvez, o que mais tenha se aproximado de uma linguagem naturalista por parte do diretor francês em sua carreira. Essa aproximação com o cinema mais convencional, contudo, é ilusória. Godard envenena várias cenas com recursos estéticos muito particulares (como demonstra o uso irônico de recordatórios acelerados), além de fazer a trama tornar-se cada vez mais alegórica com o passar do tempo. O fracasso de Paul como marido também é o seu fracasso como artista não disposto a abrir concessões. A desilusão de Camille com o marido é alusiva à descrença das platéias na possibilidade de um cinema mais arrojado e artístico. As figuras do produtor norte-americano canalha e sedutor (Jack Palance) e do diretor de cinema culto e cínico (Fritz Lang interpretando a si mesmo) reforçam ainda mais a simbologia ideológica de Godard. Por fim, o que era para ser uma obra versando sobre as relações humanas converte-se brilhantemente em uma reflexão sobre o fazer cinematográfico.
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