Os irmãos Taviani voltam a revitalizar o neo-realismo
italiano em “César dever morrer” (2013), como já tinham feito em obras-primas
como “Pai patrão” (1977) e “A noite de São Lourenço” (1982), mas sob uma
perspectiva diferente. Nesse mais recente trabalho, partem de uma premissa que
até em um primeiro momento poderia parecer simples: a encenação numa prisão por
parte de alguns apenados de uma das peças mais célebres de Shakespeare, “Júlio
César”. O que ocorre, entretanto, é uma fusão engenhosa entre documentário,
ficção e teatro. O foco da trama é a encenação de todo o processo que levou ao
resultado da apresentação teatral propriamente dita, em que os presos
interpretam a si mesmos, além de interpretar aos seus respectivos papéis no
drama shakesperiano. Assim, o filme se desenrola em mais de uma camada, mas que
se entrelaçam sutilmente – há a trama básica de “Júlio César” que é encenada
com vigor, existe ainda a rotina de ensaios e discussões e também o retrato da
vida de alguns dos principais atores. Os limites entre os gêneros vão ficando
cada vez mais tênues a um ponto que ultrapassa o perturbador. Em nuances notáveis,
vemos não apenas a evolução da peça, mas também a própria transformação humana
de seus rústicos artistas. Nesse sentido, a tensão é forte; sabemos desde o início
que os componentes do elenco são bandidos condenados casca grossa (alguns,
inclusive, cumprem prisão perpétua), o que faz com que a presumível natureza
violenta deles nos dê a impressão que algo está sempre a prestes de explodir. A
desconcertante conclusão de “César deve morrer” sintetiza esse intricado jogo
estético e temático numa sentença simples e brilhante – a do poder
transformador da arte.
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