É difícil falar sobre “A grande beleza” (2013) sem pensar em
“A doce vida” (1960). Isso porque o filme mais recente do diretor italiano
Paolo Sorrentino parece uma releitura contemporânea do grande clássico de Federico
Fellini, ainda mais se pensarmos que ambos se passam em Roma. A verdade,
entretanto, é que tal definição pode ser imprecisa, pois “A doce vida” é
daqueles raros tipos de produção que já nasceram atemporais: não importa a
época em que tal filme seja visto, ele sempre terá um alcance universal e em
sintonia com qualquer época. Isso não torna o trabalho de Sorrentino
dispensável, mas de certa forma o prejudica na comparação. A trama já é bem
característica para essa relação – um escritor em crise criativa e afundado em
hedonismos diversos vaga pela capital romana encontrando tipos variados e
situações inusitadas, fazendo com que fique tomado por uma sensação constante
de vazio existencial. Mas essa revisão do ideário de uma obra-prima consagrada
não se efetiva por meios exatamente óbvios. Por mais que “A doce vida”
trouxesse momentos com uma certa queda para o absurdo, a encenação proposta por
Fellini era marcada pela sobriedade, sem a preponderância para a abordagem
sentimental da primeira fase da sua carreira e sem se aprofundar no senso
delirante de filmar de seus trabalhos posteriores. Pois “A grande beleza”, a
grosso modo, faz a gente pensar num “A doce vida” refilmado segundo a ótica do
grotesco e do exagero que Fellini usou e abusou em obras como “Satyricon”
(1969) e “Amarcord” (1973). Sorrentino impressiona em algumas seqüências pelo
senso barroco e virtuose com que filma, principalmente nas seqüências de
festas, em que seu estilo exagerado na caracterização de personagens e
opulência visual provoca um efeito perturbador e contraditório de atração e
repulsa. Quando o cineasta pisa no freio nas partes mais intimistas do filme,
pode-se perceber que a falta de sutileza impede que tais momentos tenham uma
maior densidade dramática, ainda que por vezes o senso de ironia do cineasta
revele uma veia sarcástica acima da média. É justamente nesse ponto que a
comparação entre as duas obras em questão mais se expõe, com claros pontos a
favor de Fellini: aquele tom de crítica amarga que era natural e de simbologia
fascinante em “A doce vida” acaba soando um tanto forçado e ingênuo em “A
grande beleza”. Mesmo assim, a obra de Sorrentino se mostra como um trabalho de
relevo considerável dentro da cinematografia atual, reforçando o nome do
diretor como um dos mais expressivos de sua geração no cinema italiano.
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