Na sequência inicial de “Morro dos Prazeres” (2013), um
grupo de crianças da comunidade que dá título ao documentário brinca de polícia
e ladrão num casebre abandonado. A tradicional brincadeira, entretanto, ganha
uma outra dimensão no seu desenvolvimento: o que se vê na tela é uma encenação
da relação entre policiais e bandidos que se dá diariamente nos morros
cariocas, onde a polaridade bem/mal perde o sentido em meio a achaques, corrupção
e tortura. Essa abertura do filme é uma bela síntese dos dilemas estéticos e
temáticos que permeiam “Morro dos Prazeres”. Por mais que entre os objetivos da
diretora Maria Augusta Ramos esteja o registro do cotidiano de uma comunidade
ocupada por uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), é inegável que de forma
constante a impressão de que todos interpretam um papel, que reproduzam arquétipos
da sociedade. E por mais artificiosa que possa ser tal concepção formal para um
documentário, também é evidente que mesmo assim a produção consegue transmitir
uma verdade contundente – a da discrepância entre o conteúdo do discurso
oficial das autoridades com a realidade fática daquele microcosmo. Dentro de
tal linguagem cinematográfica mais sofisticada, também salta aos olhos um
trabalho de edição e fotografia ainda mais acurado que nos trabalhos anteriores
da cineasta. Alguns enquadramentos impressionam bastante por saber explorar com
precisão tanto as vielas e becos labirínticos e sufocantes quanto as amplas
paisagens do Rio de Janeiro que se pode contemplar do alto daquele morro, num
forte contraste entre beleza e feiúra. E na sequência do baile funk, a montagem
oferece um ritmo tenso e por vezes eletrizante na alternância que faz entre o
ambiente sórdido e hedonista da festa com a ação militar minuciosa e soturna
dos policias que rondam a localidade.
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