quinta-feira, janeiro 23, 2014

Azul é a cor mais quente, de Abdellatif Kechiche ****



Raros filmes na atualidade são tão emblemáticos do seu tempo quanto “Azul é a cor mais quente” (2013). Essa contemporaneidade não vem apenas da temática da obra em questão, mas também da sua própria formatação. Por mais que a trama tenha como tônica principal uma abordagem intimista, há uma urgência do diretor Abdellatif Kechiche em fazer um recorte do contexto histórico e social em que o roteiro se desenvolve. Ele não consegue dissociar os elementos individual e coletivo. Nesse sentido, o tom seco e documental que permeia a narrativa não é aleatório, mas sim condição essencial para o impressionante naturalismo que é marca característica da encenação e edição propostas por Kechiche. Esse tipo de concepção artística faz com que cenas aparentemente casuais envolvendo conversas prosaicas, passeatas, manifestações, festas sejam tão reveladoras e importantes quanto momentos de forte conotação dramática envolvendo os dramas pessoais de seus principais personagens.

O fato de Kechiche optar por um registro objetivo das situações da trama não implica num distanciamento emocional por parte do filme. Pelo contrário. É justamente essa ótica que faz com que “Azul é a cor mais quente” tenha uma perspectiva humana tão fascinante. A obra não cai em romantismos idealizados ou soluções fáceis sentimentais (caminhos, aliás, com que a HQ em que a produção se baseou flerta), preferindo um enfoque mais visceral ao retratar as fases de um atribulado relacionamento amoroso. Diante de tal visão, as tão comentadas seqüências de sexo intenso entre as protagonistas, que beiram até o explícito, ganham um significado rico e fundamental para a compreensão da natureza do envolvimento entre Adèle (Adèle Exarchorpoulos) e Emma (Léa Seydoux). E o grande incômodo sensorial vem muito mais das conclusões que se possa ter sobre as impossibilidades daquela relação se manter do que com a forma com que o sexo é coreografado nas cenas mencionadas.

E por falar em significado, aí se encontra um dos motivos para o alcance tão universal e impactante de “Azul é a cor mais quente” – se por um lado o filme é virulento na forma forte com que retrata o sexo e os conflitos típicos das relações humanas, por outro a obra mostra uma sutileza notável ao extrair uma simbologia lúcida e perturbadora nos detalhes de conversas, citações literárias, danças, olhares, carícias e silêncios. Tanto que a conclusão da produção reflete com perfeição a sua essência: a caminhada resignada de Adèle por uma rua, sem olhar para trás, carregando o peso de suas decisões, sem direito a final feliz e parecendo se atirar a um destino infinito e imprevisível.

2 comentários:

Marcelo Castro Moraes disse...

Tanto o filme como a HQ são obras que me marcaram muito. Merecidamente o filme ainda permanece em cartaz na capital gaucha desde o dia seis de dezembro.

Marcelo Castro Moraes disse...

Tanto o filme como a HQ são obras que me marcaram muito. Merecidamente o filme ainda permanece em cartaz na capital gaucha desde o dia seis de dezembro.