Vários aspectos de “Cala a boca, Philip” (2014) remetem ao
universo literário. O mais óbvio seria a da própria temática do filme – a trama
foca nas desventuras sentimentais e sociais do jovem escritor em ascensão
Philip Lewis (Jason Schwartzman), além de mostrar sua relação de aprendizado
artístico e existencial com o veterano autor consagrado Ike Zimmerman (Jonathan
Pryce). Alguns elementos do roteiro são referências a escritores e situações
específicos, indo desde a notória arrogância sarcástica de Philip Roth até o perturbador
suicídio de David Foster Wallace. Essa ligação da produção com a literatura se
estende também para a sua estrutura formal. Uma constante narração over na
terceira pessoa “explica” ações externas e internas do seu protagonista, como
se ele fizesse parte de uma espécie de romance de formação filmado. Em um
primeiro momento, tal recurso pode parecer um tanto preguiçoso, no sentido de
parecer necessário que tudo aquilo que esteja em cena fosse explicado. A intenção
real, entretanto, é bem diversa e mais criativa. Seria um reflexo estético do
próprio egocentrismo do personagem principal, em que as descrições e
tergiversações da voz narrativa dariam uma certa grandiosidade intimista para
eventos corriqueiros e mesmo mesquinhos que envolvem o cotidiano de Philip.
Essa boa sacada formal do diretor Alex Ross Perry reforça a forte dimensão
humanista de sua obra, no sentido de se estabelecer um contraponto entre essa
visão autocentrada do personagem com a percepção “de fora” de quem assiste ao
filme. As ações e reações de Philip e demais indivíduos que o cercam apresentam
um desenvolvimento psicológico e comportamental convincente, e que também foge
de padrões moralistas simplificadores. Por mais egoístas e megalomaníacos que
Philip e Ike possam ser, há de convir que suas posturas perante o mundo também
expõem com crueza e lucidez as inseguranças e mediocridades daqueles que o
cercam. E talvez as constatações irônicas e amargas de Ike sejam a melhor síntese
do subtexto de “Cala a boca, Philip”: a de que o amadurecimento dos indivíduos
não se relaciona de forma necessária a uma consequência de eles se tornarem
pessoas “melhores”, mas que simplesmente aceitem a sua negatividade como inevitável
e a de que possam a converter em força criativa.
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