sexta-feira, junho 19, 2015

Van Gogh, de Maurice Pialat ****


Pode parecer um contrasenso, mas a cinebiografia “Van Gogh” (1991) adota uma abordagem seca e naturalista para focar a vida de um pintor que tinha um estilo impressionista. Nesse sentido, o filme do diretor francês Maurice Pialat não evoca em termos estéticos o estilo de Vincent Van Gogh em sua plasticidade. O que prevalece em sua produção é uma concepção formal de forte caráter realista, além de um roteiro que não tem como preocupação principal mostrar o processo criativo do artista. Mas então qual seria o objetivo existencial e artístico dessa obra? A intenção de Pialat é sutil e precisa na sua ideia e execução. Ele foge de uma procura fácil e fugaz do belo e se concentra nos tormentos psicológicos e pessoais de Van Gogh. Pouquíssimas vezes se presencia o artista no ato de pintar. O que se vê basicamente é Van Gogh dentro de suas interações sociais com amantes, amigos, familiares e admiradores. E todas essas relações são conflituosas e complexas, num misto de amor, raiva e indiferença. Não se trata, entretanto, de mera reciclagens de fofocas a destrinchar os podres da figura biografada. Com discrição, o filme de Pialat constrói um subtexto intrincado e fascinante, em que os dilemas sentimentais e angústias sociais e econômicas de Van Gogh tanto interagem como ilustram a própria natureza subjetiva de sua arte. E mais do que simplesmente jogar fatos na tela, Pialat sabe criar uma atmosfera ambígua para a sua narrativa, causando um efeito sensorial multifacetado, que varia com naturalidade entre o perturbador e o cativante. É só observar que logo após uma longa e tensa seqüência de uma ríspida discussão entre os irmãos Theo (Bernard Le Coq) e Vincent (Jacques Dutronc) vem uma passagem que é de puro hedonismo visual na orgia em um bordel em que os irmãos se encontram. É justamente nessa integração entre os extremos e as contradições que reside a inquietante essência de “Van Gogh”, em que a verdadeira dimensão da arte de seu protagonista não está na simples exploração do belo, mas sim na exposição sem concessões das atribulações de sua inquieta alma criativa.

Nenhum comentário: