quarta-feira, fevereiro 24, 2010

Aconteceu em Woodstock, de Ang Lee ***1/2


Há em “Aconteceu em Woodstock” (2009) um engenhoso artifício narrativo por parte de Ang Lee. Aparentemente, ele formata o filme como uma doce comédia dramática familiar, centralizando a trama no jovem Elliot Tiber (Demetri Martin) e seus pais (Imelda Stauton e Henry Goodman), rústicos imigrantes ucranianos, responsáveis pelas tratativas que possibilitaram a realização do Festival de Woodstock na conservadora e caipira cidadezinha de Catskills. A evolução do festival, dos acertos iniciais até a concretização dos concertos, corresponde também a uma reavaliação das relações dentro do próprio clã Tiber, com a conseqüente saída de casa de Elliot. O processo de amadurecimento do protagonista durante o filme, obviamente, vem da influência que sofre por parte do próprio festival.

Um olhar apressado sobre o que é descrito acima pode dizer que Ang Lee ofereceu uma visão reducionista sobre o significado de Woodstock ao enquadrar o mesmo como pretexto para lições de vida edificantes. Tal olhar, entretanto, seria equivocado. O que Lee evidencia em “Aconteceu em Woodstock” é uma perspectiva que transita entre o idealizado e o imaginário não só sobre o evento em si, mas como também sobre o ideário libertário da geração flower power dos anos 60. A abordagem do diretor privilegia a empatia e um tom nostálgico ao focalizar vários temas caros à época: a liberação sexual, o uso de drogas lisérgicas, o pacifismo, o questionamento dos valores materialistas. Nesse olhar fascinado e de exaltação, parece não haver espaço na busca de contradições.

“Aconteceu em Woodstock”, na sua visão ensolarada sobre os anos 60, dialoga com outra obra importante na cinematografia de Lee, o soturno “Tempestade de Gelo” (1997). Nessa última produção, o cineasta trazia uma história que refletia os anos 70 como uma época em que as altas expectativas culturais e sociais geradas na década anterior convertiam-se em decepção e corrupção dos seus valores. Assim, o amor livre, celebrado como forma de contestação das relações amorosas convencionais, transformava-se em swings para distrair casais burgueses entediados.

Ainda nesse campo de comparações com obras anteriores de Lee, “Aconteceu em Woodstock” evoca “Cerimônia de Casamento” (1993) e “O Segredo de Brokeback Mountain” (2005) ao mostrar situações tabu (homossexualismo, ménage à trois, nudez frontal) com naturalidade. Tal encenação mostra-se em perfeita sintonia, inclusive, com o próprio espírito da época retratado na película.

Até mesmo o documentário que trazia registros antológicos de Woodstock, lançado em 1970, é homenageado nessa obra mais recente. Em vários momentos, Lee adota um estilo objetivo de imagem granulada e câmera na mão que remete diretamente ao documentário, além de fazer aquelas divisões de tela focando ações diferentes que eram marca registrada da referida produção. Até a canção “On The Road Again”, do Canned Heat, utilizada em umas das seqüências mais emblemáticas de “Woodstock”, é revivida em um trecho de “Aconteceu em Woodstock”.

Em termos estéticos, Lee também impressiona ao retratar as viagens psicodélicas de Elliot ao usar LSD pela primeira vez. Por mais previsível que as alucinações possam parecer com as tradicionais imagens distorcidas e coloridas, o impacto visual das mesmas é extraordinário pela manipulação dos efeitos e pela sua beleza, principalmente quando os campos de Woodstock e as pessoas se fundem e formam um oceano cósmico. E o diretor teve ainda a extraordinária sacada de colocar como tema musical dessa seqüência a linda “The Red Telephone” do grupo Love, uma das melhores canções psicodélicas já compostas e gravadas. Se um dia o LSD não for mais ilegal, Lee será um ótimo propagandista...

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