sexta-feira, julho 04, 2014

A longa caminhada, de Nicolas Roeg ****


Um dos focos principais na temática de “A longa caminhada” (1970) é bastante claro: o confronto e as contradições na relação entre a civilização urbana e a natureza selvagem a um ponto em que as próprias noções de civilidade e violência se confundem. A narrativa concebida pelo diretor Nicolas Roeg para ilustrar tais dilemas fogem do óbvio. Por mais que se questione as regras comportamentais e hipocrisias do homem moderno nas grandes metrópoles, em nenhum momento dá para dizer que a visão do filme sobre a natureza é idealizada e maniqueísta – esta é vista tanto sob um ângulo de encanto quanto por uma perspectiva de mistério e brutalidade. Por mais que esse conflito homem versus natureza já tenha sido diversas vezes explorado na literatura ou cinema, poucas vezes recebeu um tratamento de tamanha crueza e poesia quanto em “A longa caminhada”. Roeg sugere um olhar que busca mais sensações atávicas do que um racionalismo a explicar as ações e reações nebulosas de seus personagens. Os particulares códigos de condutas do aborígine que salva e conduz dois irmãos pelo inóspito deserto australiano são tão difíceis de decifrar quanto as atitudes homicidas (e suicida) do elegante inglês que tenta matar seus filhos (os referidos irmãos). Mais do que buscar soluções fáceis para os enigmas do filme, para Roeg é mais interessante a construção de uma estranha atmosfera que combina erotismo, morbidez, violência e contemplação. Sua encenação e seu registro audiovisual possuem uma coesão notável ao adotar tanto um estilo documental e de distanciamento emocional quanto uma estética que emula um onirismo desconcertante.

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