terça-feira, outubro 07, 2014

Amar, beber e cantar, de Alain Resnais ***


Mesmo estando distante do melhor que Alain Resnais já dirigiu, “Amar, beber e cantar” (2013) acaba sendo um emblemático epitáfio a ilustrar as particulares concepções artísticas do grande cineasta francês recentemente falecido. Estão lá alguns dos mais expressivos preceitos criativos que Alain burilou e aperfeiçou ao longo de sua expressiva cinematografia: as engenhosas tramas falsamente superficiais, o choque entre as linguagens naturalista e estilizada, a intersecção com os elementos de linguagens de outras mídias (teatro, literatura, quadrinhos). Essa obra derradeira pode não apresentar o mesmo vigor narrativo de outras produções de Resnais (nesse sentido, seu penúltimo trabalho, “Vocês ainda não viram nada”, seria até mais representativo), mas ainda é capaz de impressionar em alguns momentos, principalmente pela forma com que ele consegue equilibrar uma certa economia de recursos (poucos atores em cena e cenários de visual simplificado evocam uma espécie de grande ensaio em aberto) com uma atmosfera de fábula moral. Nesse sentido, colabora muito um elenco com interpretações bastante inspiradas, que variam de forma admirável entre o exagero teatral e a sutileza dramática. Há também uma simbologia intrigante dentro da trama que gira em torno de desenganos sentimentais envolvendo a figura de um personagem que é sempre mencionado pelos outros e que nunca aparece em cena, o que se acentua na conclusão do filme, onde há o funeral do tal personagem: seria ele uma figura ilustrativa da própria persona artística de Resnais? Esse é um questionamento que provavelmente nunca terá uma resposta e não deixa de ser mais um mistério fascinante a envolver o estranho universo de uma das grandes forças criativas da história do cinema.

Nenhum comentário: