segunda-feira, outubro 06, 2014

OcidenteS, de Carlos Gerbase, Fabiano de Souza, Bruno Polidoro e João Gabriel de Queiroz ***




Feito originalmente para a televisão, “OcidenteS” (2014) é um projeto de quatro episódios que mostram histórias que se passam em décadas diferentes sempre tendo como cenário o Bar Ocidente, mítico reduto da boemia alternativa porto-alegrense. Cada um dos pequenos filmes tem uma trama auto-contida, ou seja, podem ser vistos separadamente um do outro sem que isso traga prejuízo de entendimento. Vendo todos juntos em sequência, entretanto, em ordem cronológica de década, como foi exibido em algumas sessões no Cinebancários, a obra no seu todo adquire uma visão ainda mais rica e impactante. O primeiro curta, “As bateristas”, de Carlos Gerbase, tem a sua trama situada em algum momento dos anos 80 e é o que tem ritmo narrativo mais irregular. Gerbase se propõe a realizar uma espécie de revitalização das comédias românticas jovens na linha John Hughes envenenada com punk rock, lesbianismo e drogas. Os diálogos são truncados, as interpretações exalam amadorismo e a tosquice formal predomina, mas “As bateristas” tem muito mais vitalidade que qualquer coisa que seu diretor lançou nos últimos anos. Em “A última festa do século”, episódio que se desenvolve na década de 90, Fabiano de Souza atinge o ponto alto artístico de “OcidenteS”, num precioso conto nostálgico que combina onirismo, diálogos lapidares, poesia, clássicos temas psicodélicos de Júpiter Maçã e erotismo (pouquíssimas vezes uma mulher foi retratada no cinema gaúcho de forma tão languidamente sensual quanto Miriã Possani nesse curta). Em termos de temática e atmosfera, “Cinco cigarros e um beijo” e “Aurora”, episódios dirigidos por Bruno Polidoro (os anos 2000) e João Gabriel de Queiroz (a presente década), se aproximam bastante, retratando indivíduos angustiados e de sexualidade difusa que se arrastam em noites regadas a hedonismo, álcool e vazio existencial. O mérito dos diretores nesses curtas está na elegância narrativa e na sobriedade emocional com que conduzem suas respectivas tramas, pontuadas por cenas que carregam conotações simbólicas intrigantes.

Olhando em conjunto, os episódios de “OcidenteS” se relacionam de forma sutil e contundente. A estética nas coxas de Gerbase evoca um espírito misto de ingenuidade e malícia típico dos anos 80 e que acaba se tornando contrastante com o lirismo do trecho noventista de Fabiano de Souza e com o tom desiludido dos demais episódios. Como obra fechada, “OcidenteS” se mostra um contundente retrato existencial de diferentes gerações de um tipo específico de juventude (ou de “jovens adultos” como já diria os Walverdes em uma de suas canções...), aquela de classe média de valores pretensamente cosmopolitas, mas que vive numa sociedade de costumes provincianos. Nesse choque entre intenções e realidade, a obra não se furta de evidenciar com lucidez e sensibilidade os dilemas, contradições, desejos e frustrações da juventude das últimas décadas.

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