Feito originalmente para a televisão, “OcidenteS” (2014) é
um projeto de quatro episódios que mostram histórias que se passam em décadas
diferentes sempre tendo como cenário o Bar Ocidente, mítico reduto da boemia
alternativa porto-alegrense. Cada um dos pequenos filmes tem uma trama
auto-contida, ou seja, podem ser vistos separadamente um do outro sem que isso
traga prejuízo de entendimento. Vendo todos juntos em sequência, entretanto, em
ordem cronológica de década, como foi exibido em algumas sessões no Cinebancários,
a obra no seu todo adquire uma visão ainda mais rica e impactante. O primeiro
curta, “As bateristas”, de Carlos Gerbase, tem a sua trama situada em algum
momento dos anos 80 e é o que tem ritmo narrativo mais irregular. Gerbase se
propõe a realizar uma espécie de revitalização das comédias românticas jovens
na linha John Hughes envenenada com punk rock, lesbianismo e drogas. Os diálogos
são truncados, as interpretações exalam amadorismo e a tosquice formal
predomina, mas “As bateristas” tem muito mais vitalidade que qualquer coisa que
seu diretor lançou nos últimos anos. Em “A última festa do século”, episódio
que se desenvolve na década de 90, Fabiano de Souza atinge o ponto alto artístico
de “OcidenteS”, num precioso conto nostálgico que combina onirismo, diálogos
lapidares, poesia, clássicos temas psicodélicos de Júpiter Maçã e erotismo
(pouquíssimas vezes uma mulher foi retratada no cinema gaúcho de forma tão
languidamente sensual quanto Miriã Possani nesse curta). Em termos de temática
e atmosfera, “Cinco cigarros e um beijo” e “Aurora”, episódios dirigidos por
Bruno Polidoro (os anos 2000) e João Gabriel de Queiroz (a presente década), se
aproximam bastante, retratando indivíduos angustiados e de sexualidade difusa
que se arrastam em noites regadas a hedonismo, álcool e vazio existencial. O mérito
dos diretores nesses curtas está na elegância narrativa e na sobriedade
emocional com que conduzem suas respectivas tramas, pontuadas por cenas que
carregam conotações simbólicas intrigantes.
Olhando em conjunto, os episódios de “OcidenteS” se
relacionam de forma sutil e contundente. A estética nas coxas de Gerbase evoca
um espírito misto de ingenuidade e malícia típico dos anos 80 e que acaba se
tornando contrastante com o lirismo do trecho noventista de Fabiano de Souza e
com o tom desiludido dos demais episódios. Como obra fechada, “OcidenteS” se
mostra um contundente retrato existencial de diferentes gerações de um tipo
específico de juventude (ou de “jovens adultos” como já diria os Walverdes em
uma de suas canções...), aquela de classe média de valores pretensamente
cosmopolitas, mas que vive numa sociedade de costumes provincianos. Nesse
choque entre intenções e realidade, a obra não se furta de evidenciar com
lucidez e sensibilidade os dilemas, contradições, desejos e frustrações da
juventude das últimas décadas.
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