Pode parecer que se esteja forçando a barra, mas dá para se
ter a impressão de que David Fincher completou uma espécie de “trilogia do
suspense” com “Garota exemplar” (2014).
Em “Seven” (1995), o cineasta
definiu alguns preceitos que se tornaram, para o bem e para o mal, paradigmáticos
para o que se fez no gênero nos anos posteriores (a franquia “Jogos mortais”
talvez seja o exemplo mais evidente de tal influência). Já na década seguinte,
Fincher lançou o extraordinário, “Zodíaco”
(2007), obra de abordagem sóbria e mais realista que parecia renegar as “regras”
formais e temáticas que o próprio diretor havia sugerido em “Seven”. Agora em “Garota
exemplar” ele parte para um outro
estágio – os cânones do gênero representam apenas o ponto de partida para um
filme cuja verdadeira força está na notável simbologia que sua trama evoca. Nesse
sentido, procurar lógica e verossimilhança rigorosas no desenvolvimento do
roteiro seria um reducionismo inútil. Fincher se vale do exagero e de um tom
operístico para compor um distorcido conto moral que ironiza sem piedade a
vacuidade moral e existencial da sociedade ocidental contemporânea. A impressão
que se tem é que o diretor usou uma estrutura dramática semelhante àquelas de
antigos seriados televisivos na linha dramalhão como “Dallas” e “Dinastia” associada a sua habitual
e apurada estética, sendo que o resultado disso é uma obra de atmosfera sombria
e algo alucinada, como se fosse um pesadelo “kitsch”. Aliás, mesmo a referida
estética de Fincher acaba sendo pervertida por um misto de barroquismo e
brutalidade que faz lembrar o Dario Argento dos melhores tempos. A sequência,
por exemplo, em que Amy (Rosamund Pike) assassina um antigo namorado (Neil
Patrick Harris) é um primor sensorial na sua combinação de grandiosidade formal
e mau gosto. Nesse sentido, em que o exagero e o caricatural são fundamentais
na composição dramática do filme, mesmo o histrionismo de Rosamund Pike e o ar
inexpressivo de Ben Affleck ganham um sentido desconcertante e coerente dentro
do espírito sarcástico e bufão de “Garota exemplar”.
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