quarta-feira, maio 11, 2011

Ex Isto, de Cao Guimarães ***1/2



Se em documentários como “Andarilho” (2006) e “A Alma do Osso” (2004) o diretor Cao Guimarães apresentava um viés quase delirante para o gênero, em “Ex Isto” (2010) ele expande para a ficção a sua tendência para o antinaturalismo. Tal abordagem também se mostra como um reflexo do próprio conflito temático de seu roteiro (baseado no livro “Catatatu” de Paulo Leminski), que parte da fantasiosa premissa inicial do que teria acontecido se o pensador Renée Descartes, pilar do pensamento racionalista, tivesse desembarcado no Brasil em 1637 junto com o desbravador holandês Maurice de Nassau. Em terras brazucas, o protagonista, interpretado por João Miguel, é envolvido por uma natureza selvagem, misteriosa e impenetrável. Assim, o célebre discurso cartesiano vai se fragmentando e se tornando difuso diante de um emaranhado de misticismo, sensualidade e da ausência da pretensa civilidade ocidental. E se a razão se perde, por que não também a própria realidade? Se nos momentos iniciais Descartes perambula a esmo diante de uma floresta silenciosa e ameaçadora, com Guimarães evocando até mesmo algumas obras clássicas de Werner Herzog como “Aguirre – A Cólera dos Deuses” (1972) e “Fitzcarraldo” (1982), aos poucos o pensador vai adentrando, sem maiores explicações, ao nosso mundo contemporâneo, interagindo com a modernidade caótica das metrópoles. É desconcertante a forma espontânea com que aquilo que é dramatizado se relaciona com aquilo que é “verdadeiro”, com ambos os planos (fantasia e real) se abraçando como se fosse uma coisa só. Guimarães não se prende a um hermetismo puro e simples, fazendo de “Ex Isto” uma verdadeira viagem xamânica sobre a dissolução da máxima “penso, logo existo”.

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