Dentro do que se costuma fazer em cinebiografias no Brasil,
“Heleno” (2011) é uma surpreendente avis rara. É claro que para focar parte da
vida do polêmico jogador de futebol Heleno de Freitas o diretor José Henrique
Fonseca mostra relevantes fatos da trajetória do seu protagonista,
assim como há a preocupação em realçar o contexto histórico da época em que a
trama se desenvolve (basicamente as décadas de 40 e 50). Na essência,
entretanto, o filme se apresenta muito mais como uma obra de cunho sensorial do
que uma narrativa linear a contar a vida de Heleno. A ordem das cenas que se
desenrola na tela não apresenta uma ordem temporal “normal” – presente e
passado se entrelaçam sem cerimônia. Essa opção do roteiro não é aleatória: no
presente, temos um Heleno já com a saúde e a mente bastante debilitadas, com
ele se recordando do passado de forma desordenada. Assim, o que se está vendo
no filme é uma história vista pela ótica de um louco, onde a objetividade não é
o prisma principal a ser seguido. A visão do ex-craque sobre seu passado de
glória ganha uma dimensão épica, de visual bastante estilizado (o que a
brilhante fotografia em preto-e-branco ressalta ainda mais). Se por vezes o viés
da história é de cunho realista, em outros momentos, o apogeu e queda de Heleno
se apresentam dentro de uma ambientação que beira o onírico. A sua melancólica
rotina final na clínica onde está internado é brutalmente contrastante com o
seu passado repleto de conquistas, brigas e sexo, e é nessa diferenciação de
atmosfera que está um dos efeitos mais perturbadores da produção. E de bônus, a
própria interpretação de Rodrigo Santoro no personagem título evoca uma
verdadeira possessão dramática. No conjunto, todas essas opções formais podem
ter representado um suicídio comercial para “Heleno” (o que de fato ocorreu ao
observarmos a pífia bilheteria obtida pelo filme), mas também lhe deu um
impacto artístico acima da média do que vem sendo produzido no cinema nacional
nos últimos anos.
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