Se por um lado “Uma longa viagem” (2011) representa uma
espécie de acerto de contas emocional da diretora Lucia Murat com o seu passado
de presa política durante a ditadura militar, por outro o filme também ganha a dimensão
de uma grande experiência estética por parte da cineasta. A princípio, a obra
poderia ser um documentário “normal”, daqueles que bastaria depoimentos e
imagens de arquivo para configurar o seu arcabouço formal. Murat, entretanto,
vai mais longe – além dos elementos tradicionais desse tipo de produção, há
também encenações dramáticas de passagens das delirantes correspondências
escritas na época pelo irmão da diretora, Heitor. No período em questão, ele
vivia no exterior, onde viveu diversas experiências, boa parte delas sob efeito
de drogas. A encenação proposta por Murat se esquiva da simples recriação
naturalista dos fatos; em sintonia com o próprio conteúdo intrincado da
correspondência, tais momentos adquirem uma concepção estilizada que beira o
onírico, com o ator Caio Blat declamando seus textos em meio a projeções de
imagens de época. O estilo de filmar e editar estabelecido pela diretora, além
de ousado, também é coerente com a natureza temática do roteiro, fazendo com
que a trajetória de Heitor, marcado por questionamentos complexos e viagens
lisérgicas, ganhe uma moldura formal sensível e em sintonia com o seu ideário.
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