Analisando a filmografia de Paul Thomas Anderson, pode-se
perceber que a cada filme suas concepções vem ficando mais radicais e distantes
dos padrões comerciais normais do cinema norte-americano contemporâneo. “Sangue
negro” (2007) já evidenciava uma pegada mais próxima da obra de Terrence Malick
e de uma formatação distante de Hollywood. “O mestre” (2012) envereda ainda
mais profundamente nessa linha estética, configurando-se como a obra mais
intrincada de Anderson. O diretor mantém uma atmosfera rarefeita e por vários
momentos contemplativa. A direção de fotografia acentua essa tendência, com
enquadramentos que valorizam paisagens quase desertas, além de possuírem uma
iluminação insólita, que transita entre o realismo e uma certa ambientação de
beatitude. Os movimentos de câmera são precisos, ressaltando uma sensação de
imobilismo que o roteiro evoca. Esse rigoroso conjunto formal configura uma
narrativa etérea e por vezes exasperante no seu detalhismo cênico.
A complexidade estética proposta por Anderson não é
gratuita. A difícil natureza de sua trama é reflexo e complemento dessa ousadia
formal. O roteiro não propõe uma visão simples sobre uma temática tão ampla –
vazio existencial, questionamentos metafísicos, a procura por uma figura
paterna, sexo, morte. O material promocional que associa “O mestre” à
cientologia é equivocado – o filme não se propõe a contar a história de
religião alguma. Na realidade, mal dá para dizer que a sua visão seja mesmo
negativista sobre os sentimentos religiosos de seus personagens. Por vezes, o
fato de Lancaster Todd (Philip Seymour Hoffman) ser uma espécie de pastor é
quase circunstancial. O cerne do filme está na relação que se estabelece entre
Lancaster e o atormentado Freddie Quell (Joaquin Phoeniz) – este admira
Lancaster como uma espécie de pai e conselheiro, mas não consegue acreditar na
sua doutrina. Já o último procura “salvar” Quell, mas no íntimo sente afeição
pelo pobre diabo justamente por ele representar um comportamento libertário e
rebelde ao qual Lancaster não mais se permite como líder religioso. Assim, não
há soluções mágicas ou epifânicas no roteiro – a redenção de Quell é um ideal
muito distante da dura realidade.
Essa abordagem ousada de Anderson rende alguns dos momentos
mais encantadores de “O mestre”, mas também torna o filme um tanto irregular.
Por vezes, sente-se a preocupação extremada da produção em se estabelecer como
“grande arte”, resultando em escolhas que empalidecem a narrativa. Isso se
evidencia em seqüências que adquirem um incômodo tom solene, principalmente no
uso da trilha sonora, que às vezes se insere indevidamente em algumas cenas,
como se houvesse a necessidade de ressaltar a importância delas.
Mas se “O mestre” não atinge o mesmo status de obra-prima
como “Sangue negro”, mesmo assim se credencia como uma experiência
cinematográfica memorável. E só o desempenho antológico de Joaquin Phoenix já
credenciaria o filme como tal. O ator atinge um grau de entrega impressionante,
fazendo uma caracterização física e psíquica que parece pura possessão,
lembrando Daniel Day Lewis no mencionado “Sangue negro”.
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