terça-feira, janeiro 29, 2013

O mestre, de Paul Thomas Anderson ****




Analisando a filmografia de Paul Thomas Anderson, pode-se perceber que a cada filme suas concepções vem ficando mais radicais e distantes dos padrões comerciais normais do cinema norte-americano contemporâneo. “Sangue negro” (2007) já evidenciava uma pegada mais próxima da obra de Terrence Malick e de uma formatação distante de Hollywood. “O mestre” (2012) envereda ainda mais profundamente nessa linha estética, configurando-se como a obra mais intrincada de Anderson. O diretor mantém uma atmosfera rarefeita e por vários momentos contemplativa. A direção de fotografia acentua essa tendência, com enquadramentos que valorizam paisagens quase desertas, além de possuírem uma iluminação insólita, que transita entre o realismo e uma certa ambientação de beatitude. Os movimentos de câmera são precisos, ressaltando uma sensação de imobilismo que o roteiro evoca. Esse rigoroso conjunto formal configura uma narrativa etérea e por vezes exasperante no seu detalhismo cênico.

A complexidade estética proposta por Anderson não é gratuita. A difícil natureza de sua trama é reflexo e complemento dessa ousadia formal. O roteiro não propõe uma visão simples sobre uma temática tão ampla – vazio existencial, questionamentos metafísicos, a procura por uma figura paterna, sexo, morte. O material promocional que associa “O mestre” à cientologia é equivocado – o filme não se propõe a contar a história de religião alguma. Na realidade, mal dá para dizer que a sua visão seja mesmo negativista sobre os sentimentos religiosos de seus personagens. Por vezes, o fato de Lancaster Todd (Philip Seymour Hoffman) ser uma espécie de pastor é quase circunstancial. O cerne do filme está na relação que se estabelece entre Lancaster e o atormentado Freddie Quell (Joaquin Phoeniz) – este admira Lancaster como uma espécie de pai e conselheiro, mas não consegue acreditar na sua doutrina. Já o último procura “salvar” Quell, mas no íntimo sente afeição pelo pobre diabo justamente por ele representar um comportamento libertário e rebelde ao qual Lancaster não mais se permite como líder religioso. Assim, não há soluções mágicas ou epifânicas no roteiro – a redenção de Quell é um ideal muito distante da dura realidade.

Essa abordagem ousada de Anderson rende alguns dos momentos mais encantadores de “O mestre”, mas também torna o filme um tanto irregular. Por vezes, sente-se a preocupação extremada da produção em se estabelecer como “grande arte”, resultando em escolhas que empalidecem a narrativa. Isso se evidencia em seqüências que adquirem um incômodo tom solene, principalmente no uso da trilha sonora, que às vezes se insere indevidamente em algumas cenas, como se houvesse a necessidade de ressaltar a importância delas.

Mas se “O mestre” não atinge o mesmo status de obra-prima como “Sangue negro”, mesmo assim se credencia como uma experiência cinematográfica memorável. E só o desempenho antológico de Joaquin Phoenix já credenciaria o filme como tal. O ator atinge um grau de entrega impressionante, fazendo uma caracterização física e psíquica que parece pura possessão, lembrando Daniel Day Lewis no mencionado “Sangue negro”.

Nenhum comentário: